Bioquímica/pH, pKa e soluções tampão: diferenças entre revisões

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==Autoionização da água==
 
A água sofre autoionização, ionizando-se a H<sup>+</sup> e OH<sup>-</sup>. Na realidade, o próton, H<sup>+</sup>, não tem existência própria: é capturado por uma molécula de água, originando o ion H<sub>3</sub>O<sup>+</sup> (ioníon hidróniohidrônio ou hidroxóniohidroxônio). Esta ionização é expressa como um equilíbrio químico:
[[Imagem:Hydroxonium-cation.png|thumb|150px|Estrutura do ião H<sub>3</sub>O<sup>+</sup>.]]
::2 H<sub>2</sub>O <math>\leftrightarrows</math> H<sub>3</sub>O<sup>+</sup> + OH<sup>-</sup>
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A capacidade da água em ionizar-se tem consequências de grande relevância fisiológica. Diversas reações bioquímicas dependem da transferência de H<sup>+</sup> entre moléculas e enzimas, e a transferência de prótons através das redes formadas por moléculas de água é possibilitada pelo seu pequeno tamanho.
 
A existência de espécies químicas com possibilidade de se ionizarem em solução altera o equilíbrio da reação de autoionização da água. A extensão do equilíbrio das espécies iónicasiônicas H<sub>3</sub>O<sup>+</sup> e OH<sup>-</sup> é expresso como um normal equilíbrio químico, ou seja, como a razão entre o produto das concentrações dos iõesíons e o produto dos reagentes.
 
::<math>K_{eq}=\frac{[H^+][OH^-]}{[H_2O]}</math>
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::<math>K_{eq}=\frac{[H^+][OH^-]}{55,5 M} \Leftrightarrow {(55,5 M)(K_{eq})}={[H^+][OH^-]} \Leftrightarrow {K_w=[H^+][OH^-]}</math>
 
em que K<sub>w</sub> é designado '''produto iónicoiônico da água'''. O valor de K<sub>eq</sub> é também conhecido (1,8&times;10<sup>-16</sup>M), pelo que
 
::<math>K_w=[H^+][OH^-]=1,0\times10^{-14}M^{-2}</math>
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Pela definição dada acima, é possível estabelecer uma escala numérica de pH que vai de 1 a 14. De notar que quando o pH sobe de um valor, na realidade a solução de pH maior é dez vezes mais básica, devido à natureza logarítmica da escala. Dois valores de diferença correspondem a uma diferença de cem vezes, três valores a mil vezes, etc.
 
De referir que também é possível estabelecer uma escala de pOH, de forma similar à de pH. No entanto, esta não é vulgarmente usada porque em processos biológicos refere-se normalmente a presença ou ausência de protõesprótons, sendo a escala de pH mais prática para o efeito.<br>
[[Image:EscalapH.png|center|thumb|700px|A escala de pH (e pOH). Quanto menor o pH, mais ácida é uma solução: a extrema acidez do suco gástrico ajuda a digestão. O sangue humano tem um pH ligeiramente superior a 7. Produtos comerciais de limpeza têm muitas vezes caráctercaráter alcalino.]] <br>
Que importância tem o pH de uma solução? Muitas substâncias possuem grupos que podem sofrer '''protonação''', isto é, incorporar um ou mais protõesprótons; da mesma forma, podem sofrer desprotonação, ou seja perder protõesprótons. Em muitos casos, o estado de protonação de uma molécula afectaafeta a sua actividadeatividade biológica. Exemplo disto é o estado de protonação de diversas cadeias laterais de aminoácidos que constituem enzimas: por vezes, basta um aminoácido não possuir um protãopróton para uma enzima inteira não funcionar.
 
[[Image:Histidine equilibrium.png|thumb|200px|Protonação da cadeia lateral do aminoácido histidina.]]
 
O pH de uma solução pode ser medido de várias formas. O método de maior sensibilidade é o uso de um '''eléctrodoeletrodo de pH''', um dispositivo electroquímicoeletroquímico que mede a concentração de H<sup>+</sup> em solução. O eléctrodoeletrodo é parcialmente submergido na solução a medir; produz então uma corrente eléctricaelétrica proporcional à concentração de H<sup>+</sup>, que é convertida a um valor numérico. Para leituras de menor sensibilidade, podem usar-se '''fitas de pH''' ou '''soluções indicadoras'''. As soluções indicadoras mudam de cor no chamado ponto de viragem, tendo uma determinada cor abaixo desse valor de pH e outra acima. As fitas de pH usam o mesmo princípio mas em geral usam combinações de indicadores para uma medição mais precisa do pH.
 
==A constante de ionização==
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Qualquer solução aquosa tem um determinado valor de pH. Não só a água tem capacidade de se ionizar: muitas substâncias ionizam-se em solução aquosa. Como tal, também podem ser divididas em ácidos, se provocam o abaixamento de pH da solução, e bases, se aumentam o pH.
 
Neste contexto, um ácido pode ser definido simplesmente como uma substância que doa protões (no Brasil prótons), enquanto uma base é uma aceitadora de protõesprótons. Um ácido que perde os seus protõesprótons torna-se numa base, enquanto uma base que ganha protõesprótons passa a ser por definição um ácido. Tais pares são denominados '''pares conjugados ácido/base'''.
 
Quando um ácido é '''forte''', dissocia-se totalmente em solução. Se o ácido for representado como HA, a sua dissociação é representada pela equação química
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::<math>K_a=\frac{[H^+][A^-]}{[HA]}</math>
 
Um exemplo comum de ácido fraco é o ácido acético, CH<sub>3</sub>COOH, que se ioniza a aniãoânion acetato e doa um protãopróton nesse processo:
 
:: CH<sub>3</sub>COOH <math>\leftrightarrows</math> H<sup>+</sup> + CH<sub>3</sub>COO<sup>-</sup>
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Neste caso, é o grupo carboxilo, -COOH, que sofre ionização. Este é um dos grupos encontrados em diversas moléculas biológicas cujas propriedades acídicas são importantes de reconhecer.
 
Quanto mais forte é um ácido, mais este se dissocia em solução aquosa e maior é K<sub>a</sub>. O caso demonstrado assume que o ácido é '''monoprótico''', ou seja, que doa apenas um protãopróton. Este não é sempre o caso, existindo ácidos '''dipróticos''' (que doam dois protõesprótons) e '''tripróticos''' (doam três protõesprótons). Os ácidos que doam mais de um protãopróton têm constantes de acidez específicas para cada ionização: a primeira ionização tem um K<sub>a1</sub> relativamente baixo, a segunda ionização um K<sub>a2</sub> um pouco maior e a terceira (a haver) tem o K<sub>a3</sub> mais elevado.
 
Da mesma forma como se definiu pH, é possível definir o pK<sub>a</sub> de um ácido, sendo o logaritmo do inverso de K<sub>a</sub>:
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::2 HA <math>\leftrightarrows</math> H<sup>+</sup> + A<sup>-</sup>
 
Esta solução terá um dado pH, de valor relativamente baixo, pois o ácido encontra-se ligeiramente dissociado. Ao adicionar-se uma base forte como por exemplo o hidróxido de sódio (NaOH), esta dissocia-se totalmente em solução, havendo então aniõesânions OH<sup>-</sup> que podem combinar-se com o H<sup>+</sup> "livre", formando H<sub>2</sub>O. Esta reacçãoreação força a diminuição da concentração de H<sup>+</sup> em solução; pelo princípio de Le Chatelier, o ácido terá de se dissociar um pouco mais para compensar esta "falta" de H<sup>+</sup>, atingindo-se novo equilíbrio entre ácido e a sua base conjugada. À medida que se acrescenta mais OH<sup>-</sup>, cada vez mais ácido se dissocia. Chega-se então a um ponto em que metade de HA que existia no início encontra-se sob a forma da sua base conjugada, A<sup>-</sup>: está-se a meio da titulação, forma adicionados 0,5 equivalentes de OH<sup>-</sup> ao ácido e o pH neste ponto é igual ao pK<sub>a</sub> do ácido.
 
À medida que se acrescenta mais OH<sup>-</sup>, o pH continua a subir e o ácido a dissociar-se. No fim da titulação, todo o ácido encontra-se dissociado sob a forma de A<sup>-</sup>.
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==As soluções tampão em sistemas biológicos==
 
Uma '''solução tampão''' é uma solução aquosa de um ácido e da sua base conjugada que não sofre variações significativas de pH quando se adicionam pequenas quantidades de ácidos ou bases. São portanto soluções cujo pH ideal se encontra no centro da zona tampão do par conjugado ácido/base. Como já referido, muitos processos biológicos dependem do estado de protonação de moléculas como as enzimas, sendo portanto fundamental o controlo rigoroso do pH do meio em que esses processos se desenrolam. Fluidos como o sangue e o citoplasma têm um pH definido, geralmente em torno de 7, e que não muda significativamente graças à presença de diversas substâncias dissolvidas que actuamatuam como tampão.
 
O citoplasma é rico em proteínas; os grupos laterais ionizáveis de aminoácidos que constituem essas proteínas têm um papel fundamental no tamponamento do meio intracelular. Outras moléculas ionizáveis, como o ATP, ácidos nucleicos e compostos intermediários de vias metabólicas, entre outros, contribuem também para a manutenção de um valor mais ou menos estável de pH no interior da célula.
 
Dois dos tampões fisiológicos mais importantes, especialmente em fluidos como o sangue, são o '''tampão de carbonatos''' e o '''tampão de fosfatos'''. O dióxido de carbono (CO<sub>2</sub>), um gás em condições normais de pressão e temperatura, pode dissolver-se em soluções aquosas formando ácido carbónicocarbônico, H<sub>2</sub>CO<sub>3</sub>. Estabelece-se então o equilíbrio
 
::CO<sub>2</sub> (g) + H<sub>2</sub>O (l) <math>\leftrightarrows</math> H<sub>2</sub>CO<sub>3</sub> (aq)
 
Por sua vez, o ácido carbónicocarbônico dissocia-se em solução aquosa, estabelecendo-se um segundo equilíbrio:
 
::H<sub>2</sub>CO<sub>3</sub> <math>\leftrightarrows</math> HCO<sub>3</sub><sup>-</sup> + H<sup>+</sup>
 
A quantidade de iãoíon hidrogenocarbonato (HCO<sub>3</sub><sup>-</sup>) em solução depende em primeira instância da pressão parcial do CO<sub>2</sub>, pois esta determina o equilíbrio entre CO<sub>2</sub> dissolvido e não dissolvido em solução. Assim, quanto mais dióxido de carbono for dissolvido, maior será a acidificação da solução aquosa em que este se dissolve.
 
O tampão de fosfatos, em situação fisiológica, refere-se especificamente ao equilíbrio
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sendo um tampão natural no citoplasma de todas as células, já que o grupo fosfato está presente em diversas moléculas biológicas.
 
Em trabalho laboratorial biológico e bioquímico é comum trabalhar-se com soluções tampão para manter o material de estudo (células, enzimas, tecidos, etc.) num meio com pH definido. Diversas soluções tampão podem ser feitas, dependendo do pH a que se pretende manter o material. Para isto. é necessário saber qual o '''pH óptimoótimo''' desse material, ou seja, o pH a que se pode detectar um máximo de actividadeatividade fisiológica. Esta actividadeatividade está relacionada não só com o estado de protonação dos metabolitos envolvidos em reacçõesreações bioquímicas, mas também (e principalmente) com a estabilidade e estado de protonação das enzimas envolvidas nessas reacçõesreações. Os tampões de carbonatos e fosfatos são vulgarmente usados, mas outros de origem sintética, como o Tris-HCl (base Tris(hidroxilamina)aminometano, ácido HCl) ou o HEPES (ácido N-(2-hidroxietilo)-piperazina-N'-2-etanesulfónico, uma molécula '''anfotérica'''), são também de uso comum.
 
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