Introdução à Biologia/História da Biologia: diferenças entre revisões

[edição verificada][edição verificada]
Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Faduart (discussão | contribs)
Faduart (discussão | contribs)
Sem resumo de edição
Linha 56:
 
== Do Renascimento à Idade Moderna ==
O [[Renascimento]] na [[Europa]] veio renovar o interesse pela [[fisiologia]] e pela [[história natural]] empírica. Em 1543, [[Andreas Vesalius]] publica o tratado ''[[De humani corporis fabrica]]'', fundamentado nas dissecações de corpos por si realizadas, e que inaugura a era moderna da medicina ocidental. Vesalius foi o primeiro de uma série de anatomistas que gradualmente fizeram a transição entre a [[escolástica]] e o [[empirismo]] na fisiologia e na medicina, fundamentando-se em estudos em primeira mão em vez de nas autoridades e raciocínios abstratos. A medicina, cujos tratamentos dependiam em grande parte dos fármacos obtidos pela [[ervas medicinais|ervanária]], veio igualmente tornar urgente um renovado estudo científico das plantas. [[Otto Brunfels]], [[Hieronymus Bock]] e [[Leonhart Fuchs]] foram autores de extensas obras de plantas selvagens e marcam o início de uma abordagem científica que se estenderia mais tarde à totalidade da flora. Os [[bestiário]]sbestiários, um género literário que combina informações naturais e figurativas dos animais, tornam-se mais detalhados e precisos, sobretudo com as obras de [[William Turner (ornitólogo)|William Turner]], [[Pierre Belon]], [[Guillaume Rondelet]], [[Conrad Gessner]] e [[Ulisse Aldrovandi]].
 
Os próprios artistas, como [[Albrecht Dürer]] ou [[Leonardo da Vinci]], trabalhando em parceria com naturalistas, mostravam igualmente interesse nos corpos humanos e animais, estudando minuciosamente a sua anatomia e contribuindo para a divulgação de modelos visuais. A prática da [[alquimia]], sobretudo através do trabalho de [[Paracelso]], foi também uma importante fonte de contribuições para o estudo do meio vivo através da experimentação livre de interações entre matéria orgânica e fármacos biológicos e minerais. Estes eventos fazem parte de um contexto maior, a ascensão do [[Mecanicismo (filosofia)|mecanicismo]] que, até ao século XVII, representou uma alteração profunda na perspetiva científica à medida que a metáfora ''natureza como organismo'' foi sendo substituída pela metáfora ''natureza como máquina''.
 
=== Séculos XVII e XVIII ===
A classificação e nomenclatura das espécies foram dominantes na história natural ao longo de maior parte dos séculos XVII e XVIII. [[Carolus Linnaeus]] publicou em 1735 uma [[taxonomia]] elementar do mundo natural que constitui ainda hoje a base do trabalho científico nesta área e, na década de 1750, apresentou a [[nomenclatura binomial]] para todas as espécies por si estudadas. Enquanto que Linnaeus via as espécies como peças imutáveis de uma hierarquia rígida, outro notável naturalista do século XVIII, [[Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon|Buffon]], encarou as espécies como categorias artificiais e os organismos como maleáveis, sugerindo até a possibilidade de [[origem comum]].
Embora se opusesse à [[evolução]], Buffon é uma figura-chave na [[história do pensamento evolutivo]], cuja obra viria a influenciar as teorias evolucionistas de [[Lamarck]] e [[Charles Darwin|Darwin]].
 
A descoberta, descrição e coleção de novas espécies tornou-se um passatempo entre a sociedade influente e uma lucrativa fonte de receitas para os mais aventureiros. Inúmeros naturalistas percorreram o mundo à procura de aventura e de novo conhecimento científico.
Linha 68:
[[Imagem:Musei Wormiani Historia.jpg|miniatura|esquerda|200px|<small>Os gabinetes de curiosidades, tal como este de Ole Worm, foram centros de difusão da biologia durante o início da Idade Moderna, reunindo no mesmo local organismos de todo o mundo. Antes da era dos descobrimentos, os naturalistas desconheciam ainda a imensa dimensão da diversidade biológica.</small>]]
 
Vários filósofos naturalistas, entre os quais [[William Harvey]], prosseguiram o trabalho iniciado por Vesalius, investigando as funções do sangue, veias e artérias, recorrendo também a experiências em organismos vivos tanto animais como humanos.
A sua publicação de ''[[De motu cordis]]'' (1628) marcou o princípio do fim da teoria de Galeno e, a par do estudo de [[Santorio Santorio]] sobre o metabolismo, foi o mais influente modelo para a abordagem quantitativa da fisiologia.
 
Durante o início do século XVII, o mundo da biologia começa a desenvolver-se. Alguns fabricantes de [[lente]]slentes e filósofos naturalistas tinham já vindo a criar [[microscópio]]smicroscópios rudimentares desde o fim do século XVI e [[Robert Hooke]] havia publicado em 1665 a obra seminal ''[[Micrographia]]'', baseada em observações feitas por si com o seu próprio microscópio.
Mas seria apenas com as inovações na óptica introduzidas por [[Anton van Leeuwenhoek]] na década de 1670, possibilitando uma ampliação até 200 vezes numa única lente, que os investigadores puderam descobrir a existência de [[espermatozoide]]sespermatozoides, [[bactéria]]sbactérias, [[infusório]]sinfusórios e toda a diversidade inédita da vida microscópica. Investigações semelhantes levadas a cabo por [[Jan Swammerdam]] renovaram o interesse na [[entomologia]] e permitiram elaborar as técnicas básicas de [[Coloração (biologia)|coloração]] e [[dissecação]] microscópicas.
 
[[Imagem:Cork Micrographia Hooke.png|miniatura|direita|upright|200px|<small>Robert Hooke introduziu o termo ''célula'' na sua obra ''Micrographia'', para designar estruturas biológicas como as deste fragmento de cortiça. No entanto, seria apenas durante o século XIX que os biólogos viriam a considerar as células como o elemento basilar da vida.</small>]]
 
Nesta época, é notável a descoberta de novos organismos, enviados de barco para as capitais europeias a partir de qualquer canto do mundo. Botânicos como [[John Ray]] trabalham na incorporação desta afluência de novos elementos numa taxonomia coerente. Sistematiza-se também a [[paleontologia]]: em 1669 [[Nicholas Steno]] publica um ensaio sobre como os restos mortais dos organismos podiam ser aprisionados entre camadas de [[sedimento]]ssedimentos e mineralizados de forma a produzir [[Fóssil|fósseis]]. Embora a teoria de Steno sobre a fossilização fosse bastante conhecida e debatida entre filósofos naturalistas, a afirmação de que todos os fósseis tinham origem orgânica só seria aceite por todos os naturalistas no fim do século XVIII, muito devido ao debate filosófico e teológico motivado pelas questões da idade da Terra e da [[extinção]].
 
== Século XIX: surgem as disciplinas biológicas ==
Até ao [[século XIX]], o âmbito do que hoje entendemos como [[biologia]] dividia-se entre a [[medicina]], que lidava com as questões da [[fisiologia]], e a [[história natural]], que se debruçava com a [[biodiversidade]] e interações entre as diferentes formas de vida. Por volta de 1900, estes domínios tinham já dado lugar a disciplinas científicas especializadas como a [[biologia celular|citologia]], [[bacteriologia]], [[Morfologia (biologia)|morfologia]], [[embriologia]], [[geografia]] e [[geologia]].
 
[[Imagem:Humboldt1805-chimborazo.jpg|miniatura|esquerda|<small>Ao longo das suas viagens, [[Alexander von Humboldt]] catalogou a distribuição de espécies de plantas em vários habitats, em conjunto com condicionantes físicas como a pressão e temperatura.</small>]]
 
=== História natural e filosofia natural ===
O grande número de expedições levadas a cabo por naturalistas na primeira metade do século XIX trouxe consigo novas informações sobre a diversidade e distribuição das espécies. Nesta área, destaca-se o trabalho de [[Alexander von Humboldt]], que analisou a relação entre organismos e o seu [[habitat]] (ou seja, no domínio da história natural) recorrendo à abordagem quantitativa da filosofia natural (ou seja, [[física]] e [[química]]). A obra de Humboldt lançou as bases para o estabelecimento da [[biogeografia]] e serviu como inspiração a gerações de investigadores.
 
==== Geologia e paleontologia ====
A emergência da [[geologia]] aproximou também a história natural e a [[filosofia natural]]. A adopçãoadoção da [[estratigrafia|carta estratigráfica]] permitiu estabelecer relações entre a distribuição espacial dos organismos com a sua distribuição cronológica, precursor fundamental dos conceitos relativos à [[evolução]]. Durante a última década do século XVIII e princípio do século XIX, investigadores como [[Georges Cuvier]] contribuíram com avanços significativos na [[anatomia comparada]], que possibilitaram as [[paleontologia|reconstruções paleontológicas]] dos organismos aos quais pertenciam os [[fósseis]] até então descobertos.
Por meio destas reconstruções, Cuvier convenceu a comunidade científica da ocorrência do fenômeno da extinção, durante a história da Terra, o qual era negado por naturalistas que acreditavam que os [[fósseis]] de organismos desconhecidos, seriam os restos mortais de organismos que ainda poderiam ser encontrados vivos nalguma parte da Terra. Os avanços da anatomia comparada de [[Georges Cuvier]] consequentemente possibilitaram que os organismos extintos, somente encontrados em sua forma fóssil, passassem a ser classificados taxonomicamente em conjunto com os organismos atuais, o que foi fundmentalfundamental para a compreensão e a descrição da história da vida na Terra . Os fósseis descobertos e descritos por [[Gideon Mantell]], [[William Buckland]], [[Mary Anning]] e [[Richard Owen]], entre outros, ajudou a determinar que teria existido uma "idade dos répteis" anterior aos próprios animais pré-históricos. Estas revelações suscitaram o interesse e a imaginação da sociedade, contribuindo imenso para a percepção pública da história da vida na Terra. A maior parte destes geólogos identificava-se com a teoria do [[catastrofismo]], no entanto a obra seminal de [[Charles Lyell]] ''Princípios da Geologia'', publicada em 1830, veio popularizar o [[uniformitarismo]] de [[James Hutton]], uma teoria que explicava o passado e presente geológicos em termos semelhantes.
 
==== Evolução e biogeografia ====
[[Imagem:Darwins first tree.jpg|direita|miniatura|<small>O primeiro esboço da árvore da evolução de Charles Darwin, retirado do seu caderno ''First Notebook on Transmutation of Species'', de 1837.</small>]]
A mais significativa teoria evolucionista anterior a Darwin foi a de [[Jean-Baptiste Lamarck]], fundamentada na [[herança de caracteres adquiridos]], mecanismo hereditário plenamente aceite até ao século XX, e que descrevia uma cadeia evolutiva desde os [[micróbio]]smicróbios mais simples até aos humanos. O naturalista britânico [[Charles Darwin]], tendo como base a abordagem biogeográfica de Humboldt, o uniformitarismo geológico de Lyell, os textos sobre o crescimento populacional de [[Thomas Malthus]], e a sua própria perícia no campo da morfologia, foi o autor de uma nova teoria da evolução por meio de [[seleção natural]], que viria a ser aceite pela maior parte dos cientistas até aos dias de hoje, e que causou um impacto profundo nas ciências naturais. As mesmas premissas levaram a que [[Alfred Russel Wallace]] chegasse à mesma conclusão.
 
A publicação da teoria de Darwin em 1859 no livro [[A Origem das Espécies]] é hoje vista como o acontecimento determinante na história da biologia moderna. A reputação de Darwin como naturalista, o tom moderado do texto, e sobretudo a solidez e quantidade das provas apresentadas, permitiram à obra alcançar um grande sucesso, quando comparada com teorias evolucionistas anteriores, como o anónimoanônimo ''[[Vestiges of the Natural History of Creation]]''. A maior parte dos cientistas estaria convicta dos princípios da evolução e da [[origem comum]] por volta do fim do século XIX. No entanto, a explicação da seleção natural como o principal mecanismo de evolução só seria plenamente aceite em meados do século XX, uma vez que a teoria de variação aleatória mostrava ser incompatível com a maior parte das teorias sobre hereditariedade da época.
 
Wallace, retomando trabalhos anteriores de [[Augustin Pyrame de Candolle|de Candolle]], Humboldt e Darwin, contribuiu de forma significativa para a [[zoogeografia]]. Em função do seu interesse pela hipótese da [[transmutação]], prestou particular atenção à distribuição geográfica de espécies próximas durante expedições à [[América do Sul]] e ao [[Arquipélago malaio]]. Durante a sua estadia nesta última região, identificou ao longo das [[Ilhas Molucas]] o que viria a ser a [[Linha de Wallace]], e que divide a fauna do arquipélago entre a zona [[Ásia|Asiática]] e a zona da [[Nova Guiné]]. A sua questão fundamental, o porquê da fauna em climas semelhantes ser tão diferente, apenas poderia ser respondida considerando a sua origem. Em 1876 escreveu ''The Geographical Distribution of Animals'', que seria a obra de referência na área por mais de meio século, e uma sequela em 1880 intitulada ''Island Life'', centrada na biogeografia das ilhas. Complementou também o sistema de seis zonas, inicialmente desenvolvido por [[Philip Sclater]] para descrever a distribuição geográfica de [[aves]], alargando-o a todas as espécies de animais. O seu método de tabulação de dados em grupos de animais por zonas geográficas fez sobressair as várias descontinuidades e a sua percepção da evolução permitiu-lhe sugerir várias explicações racionais até então inéditas.
 
O estudo científico da [[hereditariedade]] desenvolveu-se depois da publicação da ''Origem das Espécies'' e sobretudo através do trabalho de [[Francis Galton]] no campo da [[biometria]]. A origem da [[genética]] é frequentemente atribuída à obra de 1866 de [[Gregor Mendel]], ao qual são creditadas as [[Genética mendeliana|leis da hereditariedade]]. No entanto, o seu trabalho só seria reconhecido como relevante 35 anos após a sua publicação. Durante esse período, foram debatidas uma série de teorias sobre a hereditariedade baseadas na [[pangénese]]pangênese, [[ortogénese]]ortogênese ou ainda em outros mecanismos.
 
=== Fisiologia ===
Ao longo do século XIX, o âmbito da [[fisiologia humana]] foi alargado, a partir de um campo orientado fundamentalmente para a medicina, em direção a uma investigação em larga escala dos processos físicos e químicos da vida, incluindo plantas, animais e até microorganismos para além do ser humano. A metáfora ''organismos como máquinas'' tornou-se dominante na cultura científica.
 
[[Imagem:Tableau Louis Pasteur.jpg|miniatura|esquerda|<small>As inovações na [[vidraria]] de laboratório e os métodos experimentais introduzidos por [[Louis Pasteur]] e outros biólogos foram um passo decisivo no novo campo da [[bacteriologia]] durante o final do século XIX.</small>]]
 
==== Teoria celular, embriologia, e teoria microbiana ====