Introdução à Biologia/História da Biologia/A biologia no século XX: diferenças entre revisões

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No início do século XX, a pesquisa biológica era ainda feita segundo os preceitos da [[história natural]], que colocava a ênfase nas análises [[morfologia (biologia)|morfológicas]] e [[filogenia|filogenéticas]].
No entanto, fisiologistas e embriologistas que se posicionavam contra o [[vitalismo]], sobretudo na [[Europa]], tornavam-se cada vez mais influentes. O enorme sucesso da abordagem [[experiência científica|experimentalista]] ao desenvolvimento, [[hereditariedade]] e [[metabolismo]] durante as décadas de 1900 e 1910 demonstrou o poder do experimentalismo na biologia.
Nas décadas que se seguiram, o método experimental substituiu em definitivo a história natural como dominante na investigação.
 
 
== Ecologia e ciências ambientais ==
Durante as primeiras décadas do século, os naturalistas confrontaram-se com a necessidade de incluir na sua metodologia maior rigor e de preferencialmente recorrer ao experimentalismo, tal como havia acontecido nas novas disciplinas da biologia que cada vez mais recorriam ao trabalho de laboratório. A ecologia surgiu a partir da conjugação da biogeografia com o conceito de [[ciclo biogeoquímico]], promovido pela comunidade de químicos. Os biólogos de campo introduziram vários métodos de análise quantitativa, como a [[quadrícula]], adaptando também instrumentos e câmaras de laboratório às condições de exterior, afastando-se assim da concepção tradicional da história natural. Zoólogos e botânicos fizeram o que estava ao seu alcance para mitigar os efeitos da imprevisibilidade do meio vivo, recorrendo sobretudo a experiências de laboratório e estudos em ambientes naturais semi-controlados como os jardins. Novas instituições científicas de ponta, como os pioneiros [[Cold Spring Harbor Laboratory]] e [[Marine Biological Laboratory]], vieram disponibilizar uma variedade ainda maior de ambientes controlados para o estudo de organismos ao longo de todo o seu ciclo de vida.
 
O conceito de [[sucessão ecológica]], promovido nas décadas de 1900 e 1910 por [[Henry Chandler Cowles]] e [[Frederic Clements]], desempenhou um papel importante nos primórdios da ecologia. Papel igualmente pioneiro, entre os sucessivos métodos quantitativos que dominaram as especialidades ecológicas então em desenvolvimento, tiveram as [[Equação de Lotka-Volterra|equações predador-presa]] de [[Alfred Lotka]]; as pesquisas sobre [[limnologia]], ou biogeografia e estrutura biogeoquímica dos cursos de água, de [[G. Evelyn Hutchinson|Evelyn Hutchinson]]; e as pesquisas sobre a [[cadeia alimentar]] animal de [[Charles Elton]]. A ecologia tornou-se uma disciplina autónomaautônoma durante as décadas de 1940 e 1950, depois de [[Eugene Odum]] ter sintetizado muitos dos conceitos relativos à [[ecologia do ecossistema]], centrando o campo de estudo nas relações entre grupos de organismos, sobretudo as relações de ordem material e de energia.
 
Na década de 1960, à medida que os teóricos evolucionistas anteviam a possibilidade de haver múltiplas [[Unidade de seleção|unidades de seleção]], a comunidade ecológica fomentou sobretudo abordagens evolucionistas. No campo da [[ecologia da população]] o debate esteve centrado na questão da [[seleção de grupo]], levando a que já em 1970 a maior parte dos biólogos tivesse concordado que a seleção natural raramente era eficaz num nível superior ao do organismo individual. A evolução dos ecossistemas viria a tornar-se um dos principais e permanentes focos de investigação. A partir de finais da década de 1960, assiste-se a uma assinalável expansão da ecologia em consequência da ascensão do movimento ambientalista. O [[Programa Biológico Internacional]] procurou implementar na ecologia dos ecossistemas e do ambiente os mesmos métodos já usados em programas científicos de grande escala realizados durante o pós-guerra, em face do enorme avanço que representaram na área da física.
Projetos independentes e de menor escala, como a [[biogeografia insular]] e a [[Hubbard Brook Experimental Forest]] vieram também contribuir para redefinir o âmbito de uma disciplina cada vez mais diversificada.
 
Na década de 1960, à medida que os teóricos evolucionistas anteviam a possibilidade de haver múltiplas [[Unidade de seleção|unidades de seleção]], a comunidade ecológica fomentou sobretudo abordagens evolucionistas. No campo da [[ecologia da população]] o debate esteve centrado na questão da [[seleção de grupo]], levando a que já em 1970 a maior parte dos biólogos tivesse concordado que a seleção natural raramente era eficaz num nível superior ao do organismo individual. A evolução dos ecossistemas viria a tornar-se um dos principais e permanentes focos de investigação. A partir de finais da década de 1960, assiste-se a uma assinalável expansão da ecologia em consequência da ascensão do movimento ambientalista. O [[Programa Biológico Internacional]] procurou implementar na ecologia dos ecossistemas e do ambiente os mesmos métodos já usados em programas científicos de grande escala realizados durante o pós-guerra, em face do enorme avanço que representaram na área da física.
Projetos independentes e de menor escala, como a [[biogeografia insular]] e a [[Hubbard Brook Experimental Forest]] vieram também contribuir para redefinir o âmbito de uma disciplina cada vez mais diversificada.
 
== Genética clássica, a síntese moderna e a teoria evolucionária ==
[[Imagem:Morgan crossover 1.jpg|miniatura|direita|<small>Ilustração do cruzamento cromossômico da autoria de Thomas Hunt Morgan, um dos princípios da teoria da hereditariedade de Mendel.</small>]]
O ano de 1900 marcou a chamada ''redescoberta de Mendel''. [[Hugo de Vries]], [[Carl Correns]], e [[Erich von Tschermak]], ainda que autonomamente, elaboraram as [[Genética mendeliana|leis de Mendel]], que não estavam ainda explícitas na obra do próprio. Pouco tempo depois, citologistas propõem que o material hereditário está presente nos [[cromossoma]]scromossomas. [[Thomas Hunt Morgan]], com base nas anteriores hipóteses e apoiado pelos próprios resultados de ensaios laboratoriais com ''[[Drosophila]]'' realizados entre 1910 e 1915, viria a propor a teoria cromossomática da hereditariedade. Morgan quantificou o fenómenofenômeno das ligações genéticas e postulou que os genes residem nos cromossomas, lançando também a hipótese da existência de um [[cruzamento cromossómico]]cromossômico que explicasse a ligação entre si e fazendo ainda o primeiro [[mapa genético]] da ''[[Drosophila melanogaster]]'', que viria a ser um dos mais recorrentes [[Organismo modelo|organismos-modelo]].
 
Hugo de Vries tentou estabelecer uma ligação entre a evolução e a genética, disciplina que então dava os seus primeiros passos. Fundamentando-se no seu trabalho sobre hereditariedade e [[Híbrido (biologia)|hibridismo]], propôs uma teoria sobre o [[mutacionismo]], que viria a alcançar consenso entre a comunidade científica no início do século XX. O [[lamarquismo]] contava igualmente com imensos proponentes. No entanto, o [[darwinismo]] era ainda visto como incompatível com os caracteres hereditários estudados em [[biometria]], que pareciam ser herdados apenas de forma parcial. Nas décadas de 1920 e 1930 surge a disciplina da [[genética populacional]], fruto sobretudo do trabalho de [[Ronald Fisher|R. A. Fisher]], [[J. B. S. Haldane]] e [[Sewall Wright]], que unificaram a noção de evolução através de [[seleção natural]] com a [[genética mendeliana]], dando origem à [[síntese evolutiva moderna]]. A [[herança de caracteres adquiridos]] foi rejeitada, ao passo que o mutacionismo foi sendo suplantado pelas teorias genéticas.
 
Na segunda metade do século, os conceitos de genética populacional começaram também a ser aplicados nas novas disciplinas da genética comportamental, [[sociobiologia]] e, sobretudo nos humanos, da [[psicologia evolucionista]]. Na década de 1960 [[W. D. Hamilton]] elaborou métodos similares à [[teoria dos jogos]] que pudessem explicar o [[altruísmo]] de uma perspetiva evolucionista através da [[seleção de parentesco]]. A possível origem de organismos complexos através da [[endossimbiose]], e as diferentes abordagens à evolução molecular entre a [[visão da evolução centrada nos genes]] e a [[teoria naturalista da evolução]], estiveram na origem de permanentes debates sobre o real papel do [[adaptacionismo]] e da eventualidade na teoria evolucionista.
 
Na década de 1970 [[Stephen Jay Gould]] e [[Niles Eldredge]] propuseram a teoria do [[equilíbrio pontuado]], que sustenta que a estase genética é a característica fundamental do registo fóssil, e que grande parte das alterações evolucionárias ocorre muito rapidamente em períodos de tempo relativamente curtos. Em 1980 [[Luis Alvarez]] e [[Walter Alvarez]] lançaram a hipótese que um [[evento de impacto]] teria sido o responsável pela [[Extinção Cretáceo-Paleogeno|extinção do Cretáceo-Peleogeno]]. Também na mesma década, a análise estatística do registo fóssil de organismos marinhos publicada por [[Jack Sepkoski]] e [[David M. Raup]], veio proporcionar uma melhor compreensão da importância dos eventos de [[extinção em massa]] para a história da Terra.
 
Na década de 1970 [[Stephen Jay Gould]] e [[Niles Eldredge]] propuseram a teoria do [[equilíbrio pontuado]], que sustenta que a estase genética é a característica fundamental do registo fóssil, e que grande parte das alterações evolucionárias ocorre muito rapidamente em períodos de tempo relativamente curtos. Em 1980 [[Luis Alvarez]] e [[Walter Alvarez]] lançaram a hipótese que um [[evento de impacto]] teria sido o responsável pela [[Extinção Cretáceo-Paleogeno|extinção do Cretáceo-Peleogeno]]. Também na mesma década, a análise estatística do registo fóssil de organismos marinhos publicada por [[Jack Sepkoski]] e [[David M. Raup]], veio proporcionar uma melhor compreensão da importância dos eventos de [[extinção em massa]] para a história da Terra.
 
== Bioquímica, microbiologia e biologia molecular ==
No fim do século XIX tinha já sido descoberta a maior parte dos mecanismos de [[metabolismo das drogas]], dos contornos do metabolismo das [[proteína]]sproteínas e ácidos gordos, e sido feita a síntese da ureia. Durante as primeiras décadas do século XX começaram a ser isoladas e sintetizadas as [[vitamina]]svitaminas. Progressos nas técnicas laboratoriais, como a [[cromatografia]] e a [[eletroforese]] possibilitaram a rápidos avanços na química fisiológica que, tal como a bioquímica, começava a autonomizar-se em relação à medicina que esteve na sua génesegênese. Durante as décadas de 1920 e 1930 um grupo de bioquímicos liderado por [[Hans Adolf Krebs|Hans Krebs]], [[Carl Ferdinand Cori|Carl]] e [[Gerty Cori]] descodificou várias das [[via metabólica|vias metabólicas]] do organismo: o [[Ciclo de Krebs|ciclo do ácido cítrico]], a [[glicogénese]]glicogênese e a [[glicólise]], bem como a síntese dos [[esteroide]]sesteroides e das [[porfirina]]sporfirinas. Entre as décadas de 1930 e 1950, [[Fritz Lipmann]] viria a determinar o papel do [[Trifosfato de adenosina|ATP]] como o principal portador de energia nas células, e da [[mitocôndria]] como a sua principal fonte energética. A pesquisa em bioquímica seria um dos campos mais ativos na biologia até à atualidade.
 
=== A origem da biologia molecular ===
[[Imagem:TMV.jpg|miniatura|esquerdadireita|<small>A cristalização do vírus do mosaico do tabaco em nucleoproteína pura, realizada por Wendell Stanley em 1939, convenceu inúmeros biólogos de que a hereditariedade podia ser explicada exclusivamente através da química e da física.</small>]]
A evolução da genética clássica levou a que uma nova vaga de biólogos se voltasse para as questões dos genes e da sua natureza física. Durante as décadas de 1930 e 1940, a [[Fundação Rockefeller]] financiou grande parte das mais significativas descobertas na área da biologia. [[Warren Weaver]], diretor da divisão científica da fundação, foi o promotor inúmeras bolsas de incentivo à pesquisa que aplicasse os métodos da física e da química às questões elementares da biologia, introduzindo em 1938 o termo ''[[biologia molecular]]'' para definir esta nova abordagem.
[[Imagem:CentralDogma1970.es.png|miniatura|<small>O [[dogma central da biologia molecular]] proposto por [[Francis Crick]] em 1958. A figura ilustra uma reconstrução do autor da sua concepção original do dogma. As linhas contínuas representam, à data de 1958, as formas conhecidas de transferência de informação, e as linhas descontínuas as formas postuladas.</small>]]
 
A evolução da genética clássica levou a que uma nova vaga de biólogos se voltasse para as questões dos genes e da sua natureza física. Durante as décadas de 1930 e 1940, a [[Fundação Rockefeller]] financiou grande parte das mais significativas descobertas na área da biologia. [[Warren Weaver]], diretor da divisão científica da fundação, foi o promotor inúmeras bolsas de incentivo à pesquisa que aplicasse os métodos da física e da química às questões elementares da biologia, introduzindo em 1938 o termo ''[[biologia molecular]]'' para definir esta nova abordagem.
[[Imagem:TMV.jpg|miniatura|esquerda|<small>A cristalização do vírus do mosaico do tabaco em nucleoproteína pura, realizada por Wendell Stanley em 1939, convenceu inúmeros biólogos de que a hereditariedade podia ser explicada exclusivamente através da química e da física.</small>]]
Tal como aconteceu em bioquímica, durante o início do século XX assistiu-se a uma cada vez maior sobreposição de competências da [[bacteriologia]] e da [[virologia]], mais tarde conjugadas na ''microbiologia''. O isolamento dos [[fago|bacteriófagos]] por [[Félix d'Herelle]] durante a [[Primeira Guerra Mundial]] marcou o início de uma longa série de pesquisas sobre os vírus fagos e as bactérias por si infetadas.
 
Tal como aconteceu em bioquímica, durante o início do século XX assistiu-se a uma cada vez maior sobreposição de competências da [[bacteriologia]] e da [[virologia]], mais tarde conjugadas na ''microbiologia''. O isolamento dos [[fago|bacteriófagos]] por [[Félix d'Herelle]] durante a [[Primeira Guerra Mundial]] marcou o início de uma longa série de pesquisas sobre os vírus fagos e as bactérias por si infetadas.
A criação de organismos padrão e geneticamente uniformes para que se pudesse obter resultados de laboratório em condições semelhantes foi crucial para o desenvolvimento da [[genética molecular]]. Após investigações iniciais com recuro a amostras de ''Drosophila'' e [[milho]], a adopção de [[modelo científico|modelos científicos]] mais simples, como o bolor do pão ''[[Neurospora crassa]]'' tornou possível correlacionar a genética com a bioquímica, sobretudo a partir da hipótese de ''[[Hipótese um gene-uma enzima|um gene-uma enzima]]'' formulada por [[George Wells Beadle|Beadle]] e [[Edward Lawrie Tatum|Tatum]] em 1941.
A investigação genética em sistemas ainda mais simples como no [[vírus do mosaico do tabaco]] e nos bacteriófagos, aliada a inovações tecnológicas como o [[microscópio eletrónico]] e a [[ultracentriugadora|ultracentrifugação]], vieram colocar em questão o próprio conceito de ''vida''. A hereditariedade dos vírus e a reprodução de estruturas celulares [[nucleoproteína|nucleoproteicas]] no exterior do núcleo vieram também questionar os pressupostos da teoria Mendeliana dos cromossomas.
 
A criação de organismos padrão e geneticamente uniformes para que se pudesse obter resultados de laboratório em condições semelhantes foi crucial para o desenvolvimento da [[genética molecular]]. Após investigações iniciais com recuro a amostras de ''Drosophila'' e [[milho]], a adopçãoadoção de [[modelo científico|modelos científicos]] mais simples, como o bolor do pão ''[[Neurospora crassa]]'' tornou possível correlacionar a genética com a bioquímica, sobretudo a partir da hipótese de ''[[Hipótese um gene-uma enzima|um gene-uma enzima]]'' formulada por [[George Wells Beadle|Beadle]] e [[Edward Lawrie Tatum|Tatum]] emTatumem 1941.
[[Imagem:CentralDogma1970.es.png|miniatura|O [[dogma central da biologia molecular]] proposto por [[Francis Crick]] em 1958. A figura ilustra uma reconstrução do autor da sua concepção original do dogma. As linhas contínuas representam, à data de 1958, as formas conhecidas de transferência de informação, e as linhas descontínuas as formas postuladas.]]
A investigação genética em sistemas ainda mais simples como no [[vírus do mosaico do tabaco]] e nos bacteriófagos, aliada a inovações tecnológicas como o [[microscópio eletrónico]]eletrônico e a [[ultracentriugadora|ultracentrifugação]], vieram colocar em questão o próprio conceito de ''vida''. A hereditariedade dos vírus e a reprodução de estruturas celulares [[nucleoproteína|nucleoproteicas]] no exterior do núcleo vieram também questionar os pressupostos da teoria Mendeliana dos cromossomas.
 
[[Oswald Avery]] tinha já postulado em 1943 que o material genético dos cromossomas estaria contido no [[ADN]], e não na sua proteína. A hipótese seria definitivamente confirmada em 1952 através da [[experiência de Hershey–Chase]], uma de várias contribuições do ''Phage Group'', centrado na figura de [[Max Delbrück]]. Em 1953, [[James D. Watson]] e [[Francis Crick]], com base no trabalho de [[Maurice Wilkins]] e [[Rosalind Franklin]], sugeriram que a estrutura do ADN seria uma dupla hélice. No seu célebre artigo ''[[Molecular Structure of Nucleic Acids]]'', os autores fazem notar que "Não pudemos deixar de observar que o par por nós postulado sugere de forma direta a existência de um possível mecanismo de cópia do material genético." Após a confirmação da [[Replicação do DNA|replicação semi-conservativa]] do ADN, demonstrada na [[experiência de Meselson-Stahl]] realizada em 1958, tornou-se claro para a maior parte dos biólogos que a sequência de ácido nucleico deveria de alguma forma determinar a [[sequência peptídica|sequência dos aminoácidos]] nas proteínas. [[George Gamow]] propôs que um [[código genético]] estático ligaria as proteínas e o ADN. Entre 1953 e 1961, embora houvesse ainda poucas sequências biológicas conhecidas, havia já uma série de sistemas de codificação propostos, situação que se tornaria ainda mais complexa à medida que se investigava o papel intermédio do [[ARN]]. Para decifrar completamente o código, foram levadas a cabo entre 1961 e 1966 uma série de experiências em bioquímica e genética bacterial, entre as quais se destacam os resultados de [[Marshall W. Nirenberg|Nirenberg]] e [[Har Gobind Khorana|Khorana]].
 
=== O desenvolvimento da biologia molecular ===
No fim da década de 1950, os maiores centros de investigação em biologia molecular são a Divisão de Biologia no [[Instituto de Tecnologia da Califórnia]], o Laboratório de Biologia Molecular da [[Universidade de Cambridge]] e o [[Instituto Pasteur]]. Os investigadores em Cambridge, sob a direção de [[Max Perutz]] e [[John Kendrew]], focam a sua atenção no campo da [[biologia estrutural]], conjugando a [[cristalografia de raios X]] com a [[modelagem molecular]] e as novas possibilidades de cálculo com o advento da computação digital. Um grupo de bioquímicos orientado por [[Frederick Sanger]] juntar-se-ia mais tarde ao laboratório, integrando o estudo das funções e estruturas [[macromolécula|macromoleculares]]. No Instituto Pasteur, [[François Jacob]] e [[Jacques Monod]] publicam uma série de artigos sobre o [[operon lac]], que estariam na origem do conceito da [[regulação genética]] e na identificação do que viria a ser designado por [[ARN mensageiro]]. Em meados da década de 1960, o modelo fundamental do metabolismo e reprodução em biologia molecular estava já definido. Para a biologia molecular, o fim da década de 1959 e o início da década de 1970 representam um período de investigação exaustiva e de acreditação institucional, numa área que apenas muito recentemente se tinha tornado numa disciplina coerente. Durante aquilo que [[Edward Osborne Wilson]] viria a chamar de ''Guerra Molecular'', os métodos e o número de investigadores dedicados à biologia molecular cresceram exponencialmente, chegando mesmo a dominar departamentos ou disciplinas por inteiro. A molecularização assumia um papel particularmente importante para a [[genética]],[[imunologia]], [[embriologia]] e [[neurobiologia]]. A noção da vida como sendo controlada por um programa genético, uma metáfora introduzida por Jacob e Monod a partir da [[cibernética]] e da [[ciência da computação]], viria a tornar-se uma perspetiva bastante influente na biologia. A imunologia em particular viria a estreitar laços com a biologia molecular, com pontos de inovação comuns: a [[teoria da seleção clonal]], proposta por [[Niels Jerne]] e [[Frank Macfarlane Burnet]] na década de 1950, foi fundamental na compreensão dos mecanismos gerais de síntese proteica.
 
A crescente influência da biologia molecular foi alvo de alguma resistência, evidente sobretudo na [[biologia evolutiva]]. O sequenciação das proteínas encerrava um potencial imenso para o estudo quantitativo da evolução, através da [[Relógio molecular|hipótese do relógio molecular]], mas a relevância da biologia molecular na resposta às grandes questões das causas evolutivas era posta em causa pelos biólogos evolutivos de topo. À medida que os biólogos organicistas afirmavam a sua independência, assiste-se à fraturação crescente entre os departamentos e disciplinas. Neste contexto que [[Theodosius Dobzhansky]] publica a sua famosa declaração de que ''[[Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light of Evolution|nada na biologia faz sentido excepto à luz da evolução]]'' como resposta às interrogações levantadas pela biologia molecular. O assunto tornou-se ainda mais fraturante em 1968, quando a [[teoria neutralista da evolução]] de [[Motoo Kimura]] sugere que a seleção natural não seria a causa universal e única da evolução, pelo menos a nível molecular, e de que a evolução molecular poderia ser um processo completamente diferente da evolução [[Morfologia (biologia)|morfológica]].
 
== Biotecnologia, engenharia genética e genómica ==
A [[biotecnologia]] tem sido um campo importante da biologia desde o fim do século XIX. Com a industrialização da [[agricultura]] e do processo de fabrico de [[cerveja]], os biólogos tomaram consciência do enorme potencial dos processos biológicos controlados.
A [[fermentação]], em particular, foi um dos grandes catalisadores da indústria química. Por volta do início da década de 1970, estavam já em desenvolvimento uma série de biotecnologias, desde drogas como a [[penicilina]] ou [[esteroides]] e alimentos como a ''[[Chlorella]]'', até uma série de culturas agrícolas [[Híbrido (biologia)|híbridas]] que estiveram na origem da [[Revolução Verde]].
 
== Biotecnologia, engenharia genética e genómicagenômica ==
[[Imagem:E coli at 10000x, original.jpg|miniatura|esquerdadireita|<small>Estirpes da bactéria ''Escherichia coli'' criadas através do recurso a técnicas de engenharia genética, são ferramentas essenciais na biotecnologia e em vários campos de investigação biológica.</small>]]
A [[biotecnologia]] tem sido um campo importante da biologia desde o fim do século XIX. Com a industrialização da [[agricultura]] e do processo de fabrico de [[cerveja]], os biólogos tomaram consciência do enorme potencial dos processos biológicos controlados.
A [[fermentação]], em particular, foi um dos grandes catalisadores da indústria química. Por volta do início da década de 1970, estavam já em desenvolvimento uma série de biotecnologias, desde drogas como a [[penicilina]] ou [[esteroides]] e alimentos como a ''[[Chlorella]]'', até uma série de culturas agrícolas [[Híbrido (biologia)|híbridas]] que estiveram na origem da [[Revolução Verde]].
 
=== ADN Recombinante ===
A concepção contemporânea da [[engenharia genética]] tem início na década de 1970 com a criação de técnicas de [[ADN recombinante]]. As [[enzima de restrição|enzimas de restrição]] tinham já sido descobertas no final da década de 1960, em sequência do isolamento, duplicação e síntese dos genes virais. Uma sequência de investigações iniciada no laboratório de [[Paul Berg]] em 1972, com o apoio do laboratório de [[Herbert Boyer]] e do estudo sobre as [[ligase]]sligases de [[Arthur Kornberg]], culminaria na produção dos primeiros [[OGM|organismos transgénicos]]transgênicos. Esta inovação seria pouco tempo depois complementada pela adição de genes de [[resistência antibiótica]] e de [[plasmídeo]]splasmídeos, aumentando de forma muito significativa a sua eficácia.
 
Conscientes dos potenciais perigos inerentes, sobretudo a possível proliferação de uma bactéria portadora de um gene [[cancerígeno]] viral, tanto a comunidade científica como vastos setores da sociedade reagiram apreensivamente a estas descobertas. Vários biólogos moleculares de topo sugeriram que fosse imposta uma [[moratória]] temporária na investigação de ADN recombinante até que pudessem ser analisados todos os eventuais perigos e criadas leis que regessem a atividade. A [[Conferência de Asilomar]], realizada em 1975, concluiu que o uso da tecnologia seria seguro, definindo também a respetiva regulação da atividade.
 
Após a conferência, assistiu-se a um surto de novas técnicas e aplicações da engenharia genética. O trabalho pioneiro de [[Frederick Sanger]] e [[Walter Gilbert]] produziu avanços significativos nos métodos de [[sequenciação de ADN]], a par de novas técnicas de [[transfecção]] e síntese de [[oligonucleotídeo]]soligonucleotídeos. A investigação descobriu como controlar a [[Expressão génica|expressão]] de [[transgene]]stransgenes, o que levou a uma competição acentuada, tanto no contexto académicoacadêmico como industrial, para a criação de organismos capazes de expressar genes humanos tendo em vista a produção de hormonas humanas. No entanto, isto revelar-se-ia mais complexo do que as previsões iniciais; o percurso de investigação entre 1977 e 1980 revelou que, devido ao fenómenofenômeno de ''[[splicing]]'', os organismos maiores possuíam um sistema de expressão génicagênica muito mais complexo do que os modelos de bactéria usados nos primeiros estudos. A síntese da [[insulina]] humana, conseguida nos laboratórios da [[Genentech]], marca simultaneamente a primeira vitória na corrida às patentes e o início do ''boom'' da [[biotecnologia]], com uma intensidade e sobreposição nunca antes vistas entre biologia, indústria e legislação.
 
=== Sistemática molecular e genómica ===
[[Imagem:Cycler.jpg|miniatura|upright|<small>Interior de um [[termociclador]], aparelho capaz de realizar [[reação em cadeia da polimerase|reações em cadeia da polimerase]] em múltiplas amostras simultaneamente.</small>]]
Na década de 1980, o sequenciação de proteínas tinha já levado a alterações nos métodos de classificação científica de organismos, tendo os investigadores também começado a usar sequências de ADN e ARN como [[Fenótipo|caráteres]]. Isto levou ao alargamento da acepção de [[evolução molecular]] dentro da biologia evolucionista, já que os resultados da [[filogenética molecular]] podiam ser comparados com as [[árvore filogenética|árvores filogenéticas]] tradicionais assentes na morfologia. A própria divisão da árvore da vida foi revista, em resposta às ideias pioneiras de [[Lynn Margulis]] patentes na [[teoria da endossimbiose]], que sustenta que partes das [[organela]]sorganelas das células [[eucariota]]seucariotas tiveram origem nos organismos [[procarionte]]sprocariontes através de relações de [[simbiose]]. Durante a década de 1990, os cinco [[Domínio (biologia)|domínios]] (Animalia, Fungi, Plantae, Protista, Monera) deram lugar a apenas três ([[Archaea]], [[Bacteria]] e [[Eukarya]]), em função do trabalho pioneiro de [[Carl Woese]] no campo da filogenética molecular com a sequenciação do [[ARN ribossomal]] [[ARN ribossomal 16S|16S]].
 
O desenvolvimento e popularização da [[reação em cadeia da polimerase]] (PCR) em meados da década de 1980, liderada por [[Kary Mullis]], marcou outro momento de charneira na história contemporânea da biotecnologia, aumentando de forma exponencial a facilidade e rapidez da análise genética. A par do uso de [[Marcador de sequência expressa|marcadores de sequência expressa]], a PCR possibilitou a descoberta de um número imenso de genes do que aqueles que podiam ser encontrados através dos métodos genéticos tradicionais, abrindo o caminho para a sequenciação de [[genoma]]sgenomas completos.
A aparente unidade na [[morfogénese]]morfogênese dos organismos desde o óvulo fertilizado até à fase adulta começou a ser posta em causa depois da descoberta dos genes [[homeobox]], primeiro em moscas da fruta, depois noutros insetos e animais, incluindo os humanos. Estes dados possibilitaram avanços no campo da [[biologia evolutiva do desenvolvimento]] em direção à compreensão de como é que os diferentes panos corporais do [[filo]] animal evoluíram e qual a relação entre si.
 
O [[Projeto Genoma Humano]], o maior e mais caro estudo biológico alguma vez feito, teve início em 1988 sob a orientação de [[James D. Watson]], depois de estudos preliminares com organismos modelo geneticamente simples como a ''[[E. coli]]'', ''[[S. cerevisiae]]'' e ''[[Caenorhabditis elegans|C. elegans]]''. A introdução do método de ''[[shotgun sequencing]]'' e de vários métodos de análise promovidos sobretudo por [[Craig Venter]], e a promessa de compensações financeiras com o registo de patentes, levaram a uma competição acérrima entre entidades públicas e privadas que culminaria com a primeira publicação da sequência do ADN humano anunciada em 2000.
 
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