Civilização Tupi-Guarani/Sociedade: diferenças entre revisões

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As cabanas eram montadas em sistema de mutirão (palavra que se originou do tupi ''moti'rõ'', que significava um trabalho em conjunto visando a ajudar uma pessoa. Em troca, essa pessoa retribuía com a realização de uma festa coletiva<ref>FERREIRA, A. B. H. ''Novo Dicionário da Língua Portuguesa''. Segunda edição, revista e aumentada. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1986. p. 1175</ref>) e eram dispostas ao redor de uma praça central chamada ''okara''. O conjunto das cabanas ao redor de uma praça constituía uma aldeia, chamada de ''taba''. Várias aldeias formavam uma nação.
 
Os tupis se dividiam em várias nações, que guerreavam constantemente entre si ou contra tribos não tupis, os chamados ''tapuia'' ("estrangeiros" ou "inimigos" em tupi). Mesmo dentro de uma mesma nação, no entanto, eram comuns as desavenças e conflitos militares. Exemplos de nações macrotupistupis são os tamoios (um ramo dos tupinambás), os tupinambás, os potiguares, os guaranis (subdivididos atualmente em caiouás, nhandevas e embiás), os carijós (antiga designação para os guaranis que habitavam o litoral. Atualmente, chamados mbyás ou embiás), os temiminós, os tupiniquins, os tabajaras, os caetés, os avá-canoeiros, os maués, os apiacás, os camaiurás, os xetás, os guajajaras, os parintintins, os jurunas, os cinta-largas, os mundurucus, os assurinis, entre outros.
 
Nas guerras, as principais armas utilizadas eram o arco e flecha e o porrete (a ''ibirapema'', também chamada ''taca'pe''<ref>HOLANDA, A.B. ''Novo Dicionário da Língua Portuguesa''. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p.1639</ref> ou ''tangapema''), confeccionada com madeira de pau-ferro<ref>''Supermanual do Escoteiro-mirim''. São Paulo: Abril, 1979. p. 16</ref> (''Caesalpinia ferrea''), moldada no formato de um remo com bordas cortantes, ornamentada com pinturas, penas e borlas de algodão e que era utilizada para partir o crânio dos inimigos com um só golpe. Também era ocasionalmente utilizado um escudo feito de pele de anta-brasileira (''Tapirus terrestris'') ou de casca de árvore<ref>STADEN, H. ''Duas Viagens ao Brasil''. Tradução de Angel Bojadsen. Porto Alegre/RS: L&PM, 2010. p. 159</ref>. Nos frequentes ataques a outras tribos, enfeitamenfeitavam-se com penas vermelhas, como forma de se distinguirem da tribo atacada<ref>STADEN, H. ''Duas Viagens ao Brasil''. Tradução de Angel Bojadsen. Porto Alegre/RS: L&PM, 2010. p. 159</ref>.
 
Não se tem registro de que os tupis da costa brasileira tivessem desenvolvido alguma técnica de luta sem armas. Porém os atuais índios camaiurás, que habitam o Parque do Xingu, no estado brasileiro do Mato Grosso, praticam uma luta chamada huka-huka em suas festas, luta esta que é semelhante à luta livre olímpica, ao judô, ao sumô e ao jiu-jítsu. A luta tem por objetivo encostar as costas do adversário no chão e é uma demonstração da virilidade dos lutadores. A luta também serve como um elemento de confraternização entre as demais tribos do Parque do Xingu que também a praticam. O nome da luta é uma referência aos gritos dos lutadores no início da luta ("ru, ra, ru, ra"), que procuram imitar o urro da onça-pintada<ref>http://pib.socioambiental.org/pt/povo/xingu/1548</ref>.
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[[File:André-thevet-cashew.jpg|thumb|Gravura de 1558 de André Thevet retratando índios tamoios colhendo caju]]
[[File:Flickr - Dario Sanches - PATO-DO-MATO (Cairina moschata).jpg|thumb|Pato-do-mato (''Cairina moschata'')]]
As mulheres encarregavam-se de coletar frutas, preparar utensílios domésticos e cuidar das plantações e dos filhos, enquanto que os homens caçavam, pescavam, limpavam o terreno para o plantio e protegiam a tribo. Os macro-tupis não usavam roupas. Limitavam-se a pintar o corpo com tinta vermelha de urucum e preta de jenipapo, tanto para adorno quanto para proteção contra o sol e os insetos. Utilizavam-se de adornos feitos de penas, conchas, ossos e fibras vegetais, como cocares, capuzes, ligas para os braços e as pernas, colares, pingentes que eram enfiados nos lábios e nas orelhas e capas. Tradicionalmente, os índios tupis se preocupam com o corte de cabelo, poiapois ele identifica a tribo à qual pertence o indivíduo.
 
A base da alimentação era a farinha de mandioca, que era preparada a partir da ralação das raízes de mandioca com o auxílio de língua de pirarucu (''Arapaima gigas'') ou de um pedaço de madeira com pedras pontiagudas incrustradas. Antes de ralada, a raiz de mandioca era deixada de molho durante três dias em um rio, para soltar a casca e fermentar. A mandioca ralada era então espremida em um trançado de palha chamado ''tipiti'' (do tupi ''tipi'', "espremer" e ''ti'', "água") para remover todo o líquido. Do líquido esbranquiçado, era extraído o polvilho, ou seja, o amido da mandioca, através do processo de decantação<ref>http://www.brasilsabor.com.br/por/roteiros/artigo/47</ref>. Já a massa seca era torrada, resultando na farinha de mandioca.
 
Um costume disseminado amplamente entre as tribos tupis (e entre todos os demais povos da América pré-colombiana) era o canibalismo, que consistia no sacrifício ritual de um prisioneiro de uma tribo inimiga, seguido do consumo de sua carne por todos os membros da tribo (exceto pelo carrasco, que se retirava para uma rede e ficava em recolhimento ritual por um certo período). A carne que não era imediatamente consumida era defumada ("moqueada") na grelha e guardada para consumo posterior. O canibalismo era movido por três objetivos: primeiro, a vingança contra os inimigos da tribo<ref>STADEN, H. ''Duas Viagens ao Brasil''. Tradução de Angel Bojadsen. Porto Alegre/RS: L&PM, 2010. p. 157</ref>; segundo, adquirir as qualidades positivas do inimigo ingerido, pois os macrotupistupis acreditavam que adquiriam as qualidades do indivíduo ingerido. Por este motivo, os tupis evitavam ingerir a carne de animais lentos, como a preguiça e procuravam ingerir a carne de animais velozes, como o veado. Em terceiro, o matador ganhava fama e reputação: quanto mais se matassem inimigos, mais se era respeitado dentro da comunidade<ref>STADEN, H. ''Duas Viagens ao Brasil''. Tradução de Angel Bojadsen. Porto Alegre/RS: L&PM, 2010. p. 153</ref>. Especula-se, também, se a ausência de criação de animais de corte (excetuando-se os patos-do-mato, que já haviam sido domesticados) na cultura tradicional dos povos tupis possa ter contribuído para o canibalismo, dada a dificuldade relativa de se obter fontes animais de proteína através da caça e da pesca.
 
Os tupis tinham um grande conhecimento das propriedades das plantas. Usavam, por exemplo, o tabaco (''Nicotiana tabacum'') em suas cerimônias religiosas, através de cigarros primitivos feitos com folhas de palmeiras, charutos, cachimbos, rapé ou mascando suas folhas. Era através do fumo que os pajés conseguiam se contactar com o mundo espiritual, os deuses, os mortos e fazer previsões sobre o futuro. Fabricavam também uma bebida inebriante a partir das raízes da jurema (''Mimosa hostilis''), o chamada "vinho de jurema". Usavam sementes de urucum (''Bixa orellana'') e jenipapo (''Jenipa americana'') para produzir tinta vermelha e preta, respectivamente, para pintar a pele. Conheciam também ervas de efeitos estimulantes, como a erva-mate (''Ilex paraguariensis'') utilizada pelos índios guaranis e o guaraná (''Paulinia cupana'') utilizado pelos índios maués. E ainda o timbó, designação genérica de várias espécies de plantas com propriedades sedativas que eram utilizadas para pesca. Os índios guaranis utilizam, até hoje, os efeitos alucinógenos da casca do mulungu (''Erythrina uerna''), que os leva a outras dimensões espirituais<ref>SOLARI, P. ''Ymaguaré Mokôi Po Ha Mbohapy''. Segunda edição. Parati: Associação Artístico Cultural Nhandeva, 2010. p. 72</ref>.
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Vários mitos explicavam a origem das coisas<ref>SILVA, A.C.(org). ''Lendas do índio brasileiro''. Rio de Janeiro:Tecnoprint.</ref>. Um mito muito difundido era o de ''Sumé'', ''Tumé'' ou ''Maíra'', homem branco barbado que caminhava sobre as águas, deixava rastros na pedra e que teria ensinado muitas coisas aos índios. Os jesuítas identificaram esse mito como sendo São Tomé. O nome ''Maíra'' foi utilizado pelos povos de língua tupi para denominar os franceses, pois eles acreditaram que os franceses eram semelhantes ao ''Maíra'' mitológico. Este mito de um "herói civilizador", que teria passado conhecimentos fundamentais aos índios, é comum entre praticamente todas as culturas indígenas. Entre os guaranis, o nome desse herói civilizador é Nhanderequeí<ref>MUNDURUKU, D. ''Contos indígenas brasileiros''. Segunda edição. São Paulo: Global, 2005. p. 19</ref> e, entre os mundurucus, seu nome é Karú-Sakaibê<ref>MUNDURUKU, D. ''Contos indígenas brasileiros''. Segunda edição. São Paulo: Global, 2005. p. 12</ref>.
 
Também conheciam os mitos de Jurupari (era o culto mais difundido entre os índios sul-americanos. Jurupari era um legislador, que difundia a disciplina e vigor entre os índios, proibindo, por exemplo, o adultério. Filho do sol, era um culto exclusivamente masculino. Veio a ser combatido pelos padres católicos, que passaram a associá-lo à figura do diabo cristão),<ref>CASCUDO, L. C. ''TupãGeografia dos mitos brasileiros. ''3ª edição. São Paulo. Global. 2002. p. 69.</ref> Tupã (o trovão. O nome ''Tupã'' foi, posteriormente, utilizado pelos padres jesuítas para se referir ao Deus cristão), ''Rudá'' (o amor), ''kûarasyKûarasy'' (o sol), ''îasyÎasy'' (a lua), ''îaraÎara'' (a mulher que atraía os homens para o fundo dos rios), ''Curupira'' (menino com os pés voltados para trás que protegia as matas contra os caçadores, montado em um porco-do-mato. Também chamado de caipora, caapora ou caiçara.), ''Boitatá'' (a cobra de fogo. Provavelmente, um mito baseado no fenômeno natural do fogo fátuo, que é a combustão espontânea de metano em pântanos.), ''Muiraquitã'' (amuleto de pedra dado por uma tribo composta exclusivamente por mulheres aos homens que tinham relações sexuais com elas), ''Nhanderu'' (o criador do mundo. Traduzido literalmente do guarani, significa ''nosso pai''.)<ref>http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.paraty.com.br/ymaguare/images/sola2.jpg&imgrefurl=http://www.paraty.com.br/ymaguare/yma2.htm&h=172&w=250&sz=21&tbnid=_AVN8ZIVyKbqRM:&tbnh=76&tbnw=111&prev=/images%3Fq%3Dnhanderu&hl=pt-BR&usg=__RLq50ogeq0g5s8r8R5xS8EbORG0=&ei=KghsS4CBHseztgev7aiJBg&sa=X&oi=image_result&resnum=5&ct=image&ved=0CBIQ9QEwBA</ref>, ''Tamandaré'' (homem que teria sobrevivido a um dilúvio subindo no topo de uma grande palmeira)<ref>VAINFAS, R. Santos e rebeldes. ''A revista de história da Biblioteca Nacional''. Rio de Janeiro: Sociedade de amigos da Biblioteca Nacional, ano I, nº1, julho de 2005. p.42</ref> etc. Os povos macrotupistupis eram conhecidos entre os índios pela seu grande grau de misticismo<ref>http://www.combonianosbne.org/node/231</ref>.
 
Originalmente, os tupis praticavam a poligamia. Quanto mais mulheres tivesse um homem, maior era seu ''status'' dentro da tribo. Com a chegada dos missionários jesuítas, no entanto, este costume foi combatido e substituído pela monogamia. Assim como o costume de andarem nus, que foi sendo deixado de lado não só pela ação dos jesuítas, mas pela influência da cultura europeia.
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Os tupis costumavam capturar filhotes de animais selvagens como papagaios, araras, pacas, macacos e várias espécies de pássaros para transformá-los em animais de estimação ou para retirar suas penas, que eram usadas para ornamentação<ref>http://www.unemat.br/pesquisa/coeduc/downloads/a_diversidade_das_sociedades_indigenas.pdf</ref>.
 
Os guaranis possuíam um sistema primitivo de correio, o ''parejhara'', que consistia na troca de informações e produtos entre os viajantes que chegavam às aldeias e os moradores das aldeias. Este sistema ajudava na manutenção da coesão cultural dos guaranis, dispersos pela América do Sul. Este correio se utilizava também de um antigo caminho gramado, o ''Peabiru'', que ligava o litoral brasileiro à Cordilheira dos Andes através dos atuais territórios do estado brasileiro do Paraná, do Paraguai e da Bolívia. O ''Peabiru'' era muito utilizado pelos tupitupis e guaraniguaranis para manter contato com o império inca, que era reverenciado como uma civilização superior, capaz de ensinar muitas coisas, como, por exemplo, técnicas de construção civil e variedades de milho. Pesquisadores sugerem que este correio seja uma demonstração da influência cultural inca, pois os antigos incas se notabilizaram por possuir um eficiente sistema de mensageiros corredores que percorriam todo o império inca, ajudando na sua administração.
 
Existe mesmo a hipótese de que o ''Peabiru'' tenha sido uma criação inca, visando à ampliação do império inca até o oceano Atlântico, projeto este que teria sido posteriormente abandonado. Os próprios tupis e guaranis creditam a construção do ''Peabiru'' ao ancestral civilizador ''Sumé''. Como prova do intenso intercâmbio entre os tupis do litoral brasileiro e os incas, existem pelo menos dois registros históricos interessantes: um deles se refere a um machado de bronze que foi observado pelos navegadores portugueses em poder dos tupis, machado este que só poderia ser proveniente dos incas, pois os tupis não conheciam a metalurgia. O outro registro é sobre a presença do vocábulo tupi ''pindá'' (''anzol'') sendo utilizado pelos incas. Ora, este vocábulo foi criado pelos tupis para nomear os anzóis que eles obtiveram dos navegadores portugueses, vocábulo este que percorreu toda a América do Sul até o território inca<ref>CRULS, G. ''Hiléia Amazônica''. Quarta edição. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1976. p. 266</ref>.