Bioquímica/A água, solvente da Vida: diferenças entre revisões

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== A água como solvente e a importância do pH ==
[[Imagem:SaltInWaterSolutionLiquid.jpg|thumb|100px|Uma solução aquosa de NaCl (o vulgar sal de cozinha).]]
A vida, tal como a conhecemos, depende da presença de água. O organismo humano possui cerca de 70% de água, um constituinte fundamental do meio intracelular e de fluidos extracelulares como o sangue. Uma solução em que a água é o único ou principal solvente é denominada '''solução aquosa'''.
 
Nas zonas do planeta em que a água escasseia, os seres vivos possuem adaptações para minimizar a sua perca. Crê-se também que a vida surgiu em meio aquoso, onde os reagentes poderiam circular, encontrar-se e formar ligações, formando moléculas cada vez mais complexas que se agregariam em organismos simples.
 
A água possui características químicas e físicas muito particulares. Entre elas, o facto de possuir uma densidade menor no estado sólido que no estado líquido, permitindo a flutuação do gelo e a existência de vida subaquática a baixas temperaturas. Também o tipo de ligação química existente entre as moléculas de água, a chamada '''ligação de hidrogénio''', desempenha um papel fundamental em muitos processos biológicos, especialmente em reacções catalizadas por diversas enzimas. A compreensão do funcionamento e da função da água em sistemas biológicos é fulcral para o entendimento de processos bioquímicos.
 
===Estrutura da molécula de água===
 
A molécula de água é constituída por dois átomos de hidrogénio ligados a um de oxigénio, com uma estrutura tetraédrica. O átomo de oxigénio partilha dois dos seus seis electrões de valência com os átomos de hidrogénio para formar as ligações covalentes entre oxigénio e hidrogénio. Como resultado, o hidrogénio tem a sua camada de valência completa e dedicada à ligação. O átomo de oxigénio possui dois pares de electrões de valência que não participam então em ligações, mas que produzem uma zona de carga negativa que tende a repelir ligeiramente os átomos de hidrogénio. Por esta razão, a molécula de água não é linear, formando antes um ângulo com aproximadamente 104,5º.
[[Imagem:Watermolecule.png|thumb|250px|A molécula de água. Os átomos dispõem-se formando um ângulo de 104,5º. A diferença de electronegatividade entre os dois tipos de átomos provoca a existência de um dipolodipólo eléctrico, com uma concentração de carga negativa na vizinhança do átomo de oxigénio.]]
O oxigénio é uma molécula com elevada electronegatividade, maior que a do hidrogénio, ou seja, tende a atrair mais facilmente electrões. Embora a ligação covalente seja um tipo de ligação química que exija a partilha electrónica, é mais provável encontrar esses electrões mais perto do núcleo do oxigénio que dos núcleos do hidrogénio. Por esta razão, a nuvem electrónica da molécula de água é mais densa nas imediações do oxigénio, tendo uma carga eléctrica local mais negativa e conferindo uma polaridade eléctrica à molécula.
 
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Este tipo de ligação tem uma energia relativamente baixa (23 kJ/mol), a suficiente para estabelecer a ligação mas também ser facilmente quebrada. Este é um aspecto importante para a mobilidade das moléculas de água, que estão a associar-se e a dissociar-se constantemente quando no estado líquido, mas que se encontram sempre envolvidas neste tipo de ligação. A água pode ser então pensada como uma rede de moléculas coesas, mas não estáticas como num sólido; esta coesão confere-lhe uma densidade elevada em comparação com outros líquidos à mesma temperatura e causa a existência de uma elevada tensão superficial.
 
Outras propriedades significativamente afectadas pela existência de ligações de hidrogénio são a temperatura de ebulição e a temperatura de fusão. Este tipo de ligação intermolecular aumenta estas temperaturas em relação a compostos similares que não a possuapossuam. Por exemplo, o metano, CH<sub>4</sub>, é um gás a 25º, o que não acontece com o álcool derivado deste, o metanol (CH<sub>3</sub>OH), um líquido a esta mesma temperatura. A ligação C-H não é muito polar, não havendo grande polarização em moléculas orgânicas que não possuam átomos fortemente electronegativos.
 
===Solubilidade em água===
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Como a água é um dos constituintes fundamentais da célula, é importante reconhecer que moléculas são solúveis ou não em meio aquoso. As moléculas podem dividir-se em hidrofílicas, ou solúveis em água, e hidrofóbicas, ou insolúveis em água. Em geral, moléculas polares são hidrofílicas e moléculas apolares são hidrofóbicas.
 
Exemplos de moléculas hidrofóbicas são os ácidos gordos, que formam lípidos como os fosfoacilgliceróis. Estes são constituintes das membranas celulares que possuem uma extremidade ("cabeça") polar e uma "cauda" apolar, constituída pos ácidos gordos. Como consequência, os fosfolípidosfosfoacilgliceróis são moléculas anfipáticas, ou seja, parcialmente polares e parcialmente apolares. Esta característica possibilita a formação de bicamadas lipídicas que limitam o transporte de moléculas para dentro e fora da célula, separando o meio aquoso interno do externo.
 
Gases como o O<sub>2</sub> e o CO<sub>2</sub> são apolares, tendo uma baixa solubilidade em água. Podem, no entanto, permear membranas.
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As proteínas podem ser hidrofílicas ou hidrofóbicas. Quando possuem zonas hidrofóbicas expostas ao solvente, estão normalmente associadas a membranas, podendo ter zonas expostas ao meio aquoso intracelular, extracelular ou a ambos.
 
A água dissolve prontamente sais como o NaCl, dissociando-os nos seus iões; estes não se reassociam porque a água solvata eficazmente iões, criando uma barreira física à sua reassociação. Também grupos ionizáveis como o carboxilo, -COOH, presentes em diversas moléculas biológicas, têm a sua forma ionizada (neste caso, -COO<sup>-</sup>) estabilizada em solução.
 
==Autoionização da água==
 
A água sofre autoionização, ionizando-se a H<sup>+</sup> e OH<sup>-</sup>. Na realidade, o protão, H<sup>+</sup>, não tem existência própria: é capturado por uma molécula de água, originando o ião H<sub>3</sub>O<sup>+</sup> (ião hidrónio ou hidroxónio). Esta ionização é expressa como um equilíbrio químico:
[[Imagem:Hydroxonium-cation.png|thumb|150px|Estrutura do ião H<sub>3</sub>O<sup>+</sup>.]]
::2 H<sub>2</sub>O <math>\leftrightarrows</math> H<sub>3</sub>O<sup>+</sup> + OH<sup>-</sup>
 
A extensão desta ionização é bastante pequena: ambos os iões encontram-se a uma concentração cerca de 10<sup>-7</sup> M<sup>-1</sup>.
 
A capacidade da água em ionizar-se tem consequências de grande relevância fisiológica. Diversas reacções bioquímicas dependem da transferência de H<sup>+</sup> entre moléculas e enzimas, e a transferência de protões através das redes formadas por moléculas de água é possibilitada pelo seu pequeno tamanho.
 
A existência de espécies químicas com possibilidade de se ionizarem em solução altera o equilíbrio da reacção de autoionização da água. A extensão do equilíbrio das espécies iónicas H<sub>3</sub>O<sup>+</sup> e OH<sup>-</sup> é expresso como um normal equilíbrio químico, ou seja, como a razão entre o produto das concentrações dos iões e o produto dos reagentes.
 
<math>K_{eq}=\frac{[H^+][OH^-]}{[H_2O]}</math>
 
Sendo o solvente também o único reagente, a concentração da água numa solução aquosa é constante: a 25ºC, é igual a 55,5 M. A expressão de equilíbrio pode ser rearranjada da seguinte forma:
 
<math>K_{eq}=\frac{[H^+][OH^-]}{55,5 M} \Leftrightarrow {(55,5 M)(K_{eq})}={[H^+][OH^-]} \Leftrightarrow {K_w=[H^+][OH^-]}</math>
 
em que K<sub>w</sub> é designado '''produto iónico da água'''. O valor de K<sub>eq</sub> é também conhecido (1,8&times;10<sup>-16<sup>M), pelo que
 
<math>K_w=[H^+][OH^-]=1,0\times10^{-14}M^{-2}</math>
 
===O conceito de pH===
 
Quando <nowiki>[</nowiki>H<sup>+</sup><nowiki>]</nowiki>=<nowiki>[</nowiki>OH<sup>-</sup><nowiki>]</nowiki>, a concentração de cada uma destas espécies é 1,0&times;10<sup>-7<sup>M, a 25ºC. Nestas condições diz-se que a solução se encontra a '''pH neutro'''.
 
O '''pH''' é definido como o inverso do logaritmo da concentração de H<sup>+</sup>:
 
<math>pH=-log[H^+]=log\frac{1}{[H^+]}</math>
 
Por esta definição, o pH neutro define-se como sendo numericamente igual a 7 (sem unidade). Quando <nowiki>[</nowiki>H<sup>+</sup><nowiki>]</nowiki><<nowiki>[</nowiki>OH<sup>-</sup><nowiki>]</nowiki>, a solução terá um pH superior a 7 e diz-se que é básica ou alcalina. Quando <nowiki>[</nowiki>H<sup>+</sup><nowiki>]</nowiki>><nowiki>[</nowiki>OH<sup>-</sup><nowiki>]</nowiki>, a solução tem um pH inferior a 7, dizendo-se que é uma solução ácida.
 
Pela definição dada acima, é possível estabelecer uma escala numérica de pH que vai de 1 a 14. De notar que quando o pH sobe de um valor, na realidade a solução de pH maior é dez vezes mais básica, devido à natureza logarítmica da escala. Dois valores de diferença correspondem a uma diferença de 100 vezes, três valores a mil vezes, etc.
 
De referir que também é possível estabelecer uma escala de pOH, de forma similar à de pH. No entanto, esta não é vulgarmente usada porque em processos biológicos refere-se normalmente a presença ou ausência de protões, sendo a escala de pH mais prática para o efeito.<br>
[[Image:EscalapH.png|center|thumb|700px|A escala de pH (e pOH). Quanto menor o pH, mais ácida é uma solução: a extrema acidez do suco gástrico ajuda a digestão. O sangue humano tem um pH ligeiramnete superior a 7. Produtos comerciais de limpeza têm muitas vezes carácter alcalino.]] <br>
Que importância tem o pH de uma solução? Muitas substâncias possuem grupos que podem sofrer protonação, isto é, incorporar um ou mais protões; da mesma forma, podem sofrer desprotonação, ou seja perder protões. Em muitos casos, o estado de protonação de uma molécula afecta a sua actividade biológica. Exemplo disto é o estado de protonação de diversas cadeias laterias de aminoácidos que constituem enzimas: por vezes, basta um aminoácido não possuir um protão para uma enzima inteira não funcionar.
 
O pH de uma solução pode ser medido de várias formas. O método de maior sensibilidade é o uso de um '''eléctrodo de pH''', um dispositivo electroquímico que mede a concentração de H<sup>+</sup> em solução. O eléctrodo é parcialmente submergido na solução a medir; produz então uma corrente eléctrica proporcional à concentração de H<sup>+</sup>, que é convertida a um valor numérico. Para leituras de menor sensibilidade, podem usar-se '''fitas de pH''' ou '''soluções indicadoras'''. As soluções indicadoras mudam de cor no chamado ponto de viragem, tendo uma determinada cor abaixo desse valor de pH e outra acima. As fitas de pH usam o mesmo princípio mas em geral usam combinações de indicadores para uma medição mais precisa do pH.
 
===A constante de ionização===
 
Qualquer solução aquosa tem um determinado valor de pH. Não só a água tem capacidade de se ionizar: muitas substâncias ionizam-se em solução aquosa. Como tal, também podem ser divididas em ácidos, se provocam o abaixamento de pH da solução, e bases, se aumentam o pH.
 
Neste contexto, um ácido pode ser definido simplesmente como uma substância que doa protões, enquanto uma base é uma aceitadora de protões. Um ácido que perde os seus protões torna-se numa base, enquanto uma base que ganha protões passa a ser por definição um ácido. Tais pares são denominados pares conjugados ácido/base.
 
Quando um ácido é '''forte''', dissocia-se totalmente em solução. Se o ácido for representado como HA, a sua dissociação é representada pela equação química
 
::2 HA <math>\rightarrow</math> H<sup>+</sup> + A<sup>-</sup>
 
em que A<sup>-</sup> é a base conjugada de HA. Em Bioquímica, estes ácidos têm pouco interesse porque não são usuais em sistemas biológicos. São no entanto mais usuais os ácidos '''fracos''', ou seja, aqueles que não se dissociam totalmente em solução. Estabelece-se então um equilíbrio químico entre a espécie protonada e a espécie desprotonada; neste caso, a ionização do ácido é representada como:
 
::2 HA <math>\leftrightarrows</math> H<sup>+</sup> + A<sup>-</sup>
 
Tal como para a autoinonização da água, pode definir-se uma constante de equilíbrio para a ionização de um ácido. Neste contexto, a constante é denominada '''constante de acidez''', K<sub>a</sub>.
 
<math>K_a=\frac{[H^+][A^-]}{[HA]}</math>
 
Um exemplo comum de ácido fraco é o ácido acético, CH<sub>3</sub>COOH, que se ioniza a anião acetato e doa um protão nesse processo:
 
::2 CH<sub>3</sub>COOH <math>\leftrightarrows</math> H<sup>+</sup> + CH<sub>3</sub>COO<sup>-</sup>
 
cuja respectiva constante de acidez é então definida por:
 
<math>K_a=\frac{[H^+][CH_3COO^-]}{[CH_3COOH]}</math>
 
Neste caso, é o grupo carboxilo, -COOH, que sofre ionização. Este é um dos grupos encontrados em diversas moléculas biológicas cujas propriedades acídicas são importantes de reconhecer.
 
Quanto mais forte é um ácido, mais este se dissocia em solução aquosa e maior é K<sub>a</sub>. O caso demonstrado assume que oácido é '''monoprótico''', ou seja, que doa apenas um protão. Este não é sempre o caso, existindo ácidos '''dipróticos''' (que doam dois protões) e '''triprótricos''' (doam três protões). Os ácidos que doam mais de um protãos têm constantes de acidez específicas para cada ionização: a primeira ionização tem um K<sub>a1</sub> relativamente baixo, a segunda ionização um K<sub>a2</sub> um pouco maior e a terceira (a haver) tem o K<sub>a3</sub> mais elevado.
 
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