Teoria da Constituição/Conceito de Constituição: diferenças entre revisões

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O que se pretende com uma constituição? Em que medida uma organização política tem em si a necessidade de se instituir por meio de uma constituição? Qual, portanto, sua necessidade?
Considerando-se a Teoria da Supremacia da Constituição idealizada por Hans Kelsen, de forma a demonstrar a necessidade da garantia e proteção dos preceitos constitucionais, pode-se considerar que a Constituição é a mais alta expressão jurídica da soberania popular e nacional. É o instrumento seguro para a manutenção do Estado de Direito. Daí este significar a submissão de todos os indivíduos e dos próprios órgãos do Estado ao Direito, à lei, remontando, em última instância, à submissão à Lei Magna.
Na exposição de um dado tema - no levantamento de uma discussão que se pretende teórica - penso por bem ter em conta a máxima de Aristóteles: “Começaremos, como é natural, pelo princípio.”1 Respeitando o que se pensa correto, começarei pelo princípio duplamente, isto é, pelo início e pelo sentido; pelo começo e pela conceituação do objeto deste tópico. A palavra constituição tem origem no latim. Em sentido próprio constitűtiõ, -õnis, significando, natureza, estado, condição; em sentido abrangente assume a possibilidade de ser uma disposição legal, instituição. O termo foi, com o passar do tempo, ganhando sentido jurídico-político após muitos debates entre juristas a partir da idade média, assumindo definitivamente o conteúdo como nós o conhecemos hoje por influência do idioma francês, assim grafamos por constituição. Quanto ao conceito de constituição propriamente dito, aquele que a define como tal, pode ser encontrado em diversos autores contemporâneos, dentre os quais destaco em razão de sua síntese o do prof. José Afonso Silva:
 
“A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as suas respectivas garantias”.[i]2
A Carta Magna é a lei fundamental, o meio mediante o qual uma sociedade se organiza e restringe atos ou exige prestações estatais, seja prescrevendo direitos, deveres e garantias, seja conferindo o fundamento de validade de todas as leis e atos normativos.
O conceito supra apresenta uma ampla distribuição de competências por parte da lei fundamental de um dado Estado. Como se observa, constituição é a certidão política de configuração de um Estado moderno. Sua essência está relacionada ao estabelecimento de regras e princípios claros de uma construção política de sociedade. Definir claramente o papel político de cada instituição, de cada órgão é tarefa precípua de toda constituição, que como observamos, assume na modernidade condição de própria existência de uma sociedade pretensamente política. Sua condição é essencialmente vinculada a qualquer Estado dito não só de direito, mas, sobretudo marcado pelo compromisso de estabelecer limites a qualquer ação, seja de pessoa física ou jurídica, de direito privado ou de direito público. Em síntese, a constituição é um apelo formal à introspecção de competências, respeito ao que se entende por interesse público e ação pública. Muito antes disso Aristóteles já associava constituição a governo, como se este fosse na verdade condição daquela: “Visto que as palavras constituição e governo significam a mesma coisa, visto que o governo é autoridade suprema nos Estados (...) O governo é a ordem estabelecida, na distribuição das magistraturas.”3
 
Se na Antigüidade grega, sobretudo no pensamento de Aristóteles, o significado de constituição assume uma concepção idealista, mesmo em oposição a Platão, somente na contemporaneidade o sentido de constituição assume uma relação de imposição legal, o poder público na figura do Estado ficando obrigado a obedecer aquilo que fora determinado pela constituição, ou seja, é dentro de uma constituição onde são encontrados os mecanismos que asseguram aos cidadãos uma estreita relação entre poder e legalidade. Andrew Vincent destaca uma afirmativa de Lord Bolingbroke muito interessante:
Neste sentido explica José Afonso da Silva que “a constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas religiosas, etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e; finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo.”
“Por constituição nós entendemos, quando falamos com exatidão, aquele conjunto de leis, instituições e costumes, derivados de certos princípios fixos de razão, dirigido a certos objetos fixos de bem público, que compreende o sistema geral, de acordo com que a comunidade concorda em ser governada.” 4
 
Mesmo sendo um conceito de constituição marcadamente antigo dentro do constitucionalismo, tem-se claramente uma visão de constituição enquanto um ato ou um documento formal que institua uma estrutura política inteiramente subordinada aos interesses daqueles que a constituíram. Constituição, portanto, nesse sentido é expressão de relação entre poder e cidadão, onde este é o sujeito daquele.
Os preceitos ou normas regras e princípios, na acepção de José Joaquim Gomes Canotilho, que integram a Constituição, em razão de suas características e objetivos, acham-se num grau hierárquico supremo em face de todas as demais normas jurídicas que compõem um dado ordenamento jurídico. Desta forma, a Constituição encontra-se no ápice do sistema jurídico de qualquer país, nela se encontrando a própria estrutura e as normas fundamentais do Estado que a sedia.
Nos escritos clássicos do pensamento político, se percebe que a importância da constituição como documento legal não constitui panacéia para todos os problemas dentro de uma determinada ordem social, porém, isso é claro, algo que obrigue aos detentores de função pública, um compromisso mais estreito com a racionalidade da existência do Estado enquanto sociedade política. Na racionalidade dos clássicos não se tem a ilusão de que um papel escrito suspenda os desejos daqueles que anseiam por materializar interesses e expectativas. Locke, ao contrário do que imagina Vincent, caminha na mesma linha adotada por Bolingbroke quando enfatiza o relevante papel da lei na comunidade dos homens. Para Locke, o objetivo maior da união entre os homens em comunidade é garantir a propriedade, e para tal é necessário em primeiro lugar uma lei estabelecida, enunciada, aceita, firmada e comum a todos, sendo todos submetidos à sua eficácia como forma de dirimir conflitos. Em segundo lugar considera necessário a existência de um juízo “conhecido e indiferente com autoridade” para por fim a toda e qualquer controvérsia, sempre baseado naquela lei fundamental. Em terceiro lugar é necessário um poder que garanta o cumprimento da sentença justa, por isso a necessidade de uma lei anterior e aceita por todos na comunhão de uma “comunidade”.
 
“O grande objetivo da entrada do homem em sociedade consistindo na fruição da propriedade em paz e segurança, e sendo o grande instrumento e meio disto as leis estabelecidas nessa sociedade, a primeira lei positiva e fundamental de todas as comunidades consiste em estabelecer o poder legislativo; como a primeira lei natural fundamental que deve reger até mesmo o poder legislativo consiste na preservação da sociedade e, até o ponto em que seja compatível com o bem público, de qualquer pessoa que faça parte dela.”5
Segundo Hans Kelsen, uma norma jurídica para ser válida necessita buscar seu fundamento de validade em uma norma superior. Versa a Teoria Pura do Direito que: “A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da relação de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por seu turno, é determinada por outra, e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental pressuposta. A norma fundamental hipotética, nestes termos é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora.” Sendo assim, todas as normas devem se adequar aos parâmetros constitucionais, sob pena de resultarem inconstitucionais e não poderem pertencer ao ordenamento jurídico vigente.
No entendimento de Locke, o que determina o sentido de constituição é a elaboração de um estatuto formal que garanta o livre exercício das disposições do ser humano, bem como o uso e gozo da propriedade, que para este pensador não é outra coisa senão vida, liberdade e bens. Para o pensador inglês a lei apenas deve ratificar o que já existe como determinação segundo a comunidade. É a comunidade, em última análise, a detentora do poder político, pois traz consigo a soberania legítima de instituir e destituir poderes sempre levando em conta o bem comum, o bem público, o interesse público.
 
O que de fato marcou o pensamento político moderno, até como desafio, foi a necessidade de se determinar o conceito de constituição política e os meios de efetivá-la no plano prático das ações humanas, visando com isso limitar o impulso de quem administra o poder político. Portanto, dentro de uma grande luta entre príncipes e súditos, o resultado foi a fundamentação de um entendimento de que os homens necessitam de regras claras no que diz respeito à vida em comunidade, sendo assim, imperioso a existência de um instrumento formalmente instituído com o definitivo propósito de favorecer condições mínimas de relação entre os homens, onde haja respeito ao que foi de certa forma acordado. Seguindo nessa linha encontramos o pensamento político de Hegel.
O sistema jurídico que se apresenta nessa estrutura escalonada tendo em seu vértice a Constituição, deve ser coerente e racional. Qualquer conflito que agrida o postulado da primazia da Carta Magna viola pelo menos um princípio essencial, qual seja, justamente o da Supremacia da Constituição, comprometendo assim a harmonia do ordenamento.
“A constituição política é, em primeiro lugar, a organização do Estado e o processo da sua vida orgânica em relação consigo mesmo. Neste processo distingue o Estado seus elementos no interior de si mesmo e desenvolve-os em existência fixa.”6
 
 
 
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