Bioquímica/Ácidos gordos
Ácidos gordos
editarOs ácidos gordos (Portugal) ou ácidos graxos (Brasil) podem ser caracterizados quimicamente por conterem um ácido carboxílico ligado a uma "cauda" de hidrocarboneto que varia em tamanho e saturação. Na natureza, os ácidos palmítico e esteárico (16 e 18 carbonos respectivamente) são os ácidos gordos saturados mais abundantes. Do ponto de vista energético, o ácido gordo é um excelente "reservatório" de energia, haja visto que os carbonos que o compõe estão extremamente reduzidos.
Os ácidos gordos cumprem diversas funções: são precursores de outros lípidos, como os eicosanóides, e fazem parte da constituição de lípidos estruturais, como os fosfolípidos. Além disso, a sua oxidação a CO2 e H2O liberta uma grande quantidade de energia metabólica.
Possuem normalmente entre quatro e 36 carbonos na cadeia alifática. Esta pode conter apenas ligações simples ou apresentar ligações duplas em alguns pontos; também pode apresentar pequenas ramificações (grupos metilo), anéis com três carbonos e grupos hidroxila.
Tipos de ácidos gordos
editarÁcidos gordos saturados
editarOs ácidos gordos saturados são aqueles que possuem ligação simples entre seus átomos de carbono ou outro grupo funcional ao longo da cadeia. Geralmente possuem uma forma reta, o que permite seu armazenamento de forma muito eficiente.
Veja alguns do ácidos gordos mais comuns na tabela abaixo:
Nome comum | Nome sistemático | Estrutura | Notação | Ponto de fusão (°C) |
Ácido acético | Ácido etanóico | CH3COOH | 2:0 | 16,5 |
Ácido propiônico | Ácido propanóico | CH3(CH2)COOH | 3:0 | |
Ácido butírico | Ácido butanóico | CH3(CH2)2COOH | 4:0 | |
Ácido valérico | Ácido propilacético | CH3(CH2)3COOH | 5:0 | |
Ácido capróico | Ácido hexanóico | CH3(CH2)4COOH | 6:0 | |
Ácido caprílico | Ácido octanóico | CH3(CH2)6COOH | 8:0 | |
Ácido cáprico | Ácido decanóico | CH3(CH2)8COOH | 10:0 | |
Ácido láurico | Ácido dodecanóico | CH3(CH2)10COOH | 12:0 | 44,2 |
Ácido mirístico | Ácido tetradecanóico | CH3(CH2)12COOH | 14:0 | 53,9 |
Ácido palmítico | Ácido hexadecanóico | CH3(CH2)14COOH | 16:0 | 63,1 |
Ácido esteárico | Ácido octadecanóico | CH3(CH2)16COOH | 18:0 | 69,6 |
Ácido araquídico | Ácido eicosanóico | CH3(CH2)18COOH | 20:0 | 76,5 |
Ácido beênico | Ácido docosanóico | CH3(CH2)20COOH | 22:0 | 86,0 |
Ácido lignocérico | Ácido tetracosanóico | C24H48O2 | 24:0 | 84,0 |
Ácido palmitoleico* | Ácido cis-9-hexadecenóico | CH3(CH2)5CH=CH(CH2)7COOH | 16:1Δ9 | 1 - 0,5 |
Ácido oleico* | Ácido cis-9-octadecenóico | CH3(CH2)7CH=CH(CH2)7COOH | 18:1Δ9 | 13,4 |
Ácido linoleico* | Ácido cis-,cis-9,12-octadecadienóico | CH3(CH2)4CH=CHCH2CH=CH(CH2)7COOH | 18:2Δ9,12 | 1 - 5 |
*Ácidos gordos insaturados
O termo "saturado" se refere ao hidrogênio, isto é, um ácido gordo saturado é aquele no qual todos os carbonos (da cadeia de hidrocarbonetos) estão ligados a dois hidrogênios, exceto ao último carbono que deve estar ligado a três hidrogênios.
Ácidos gordos insaturados
editarOs ácidos gordos insaturados seguem o mesmo padrão dos ácidos gordos saturados, exceto pela existência de uma ou mais duplas ligações ao longo da cadeia. A dupla ligação ocorre entre carbonos (-CH=CH-) e de forma alternada, isto é, um único átomo de carbono só forma uma dupla ligação (do tipo -CH=CH-CH=CH- e nunca -CH=C=CH).
A dupla ligação pode ter duas configurações; se o ácido graxo adquirir uma forma "linear", é dito que a ligação tem uma "configuração trans", mas se o ácido gordo forma uma "quina" a ligação possui configuração cis.
Uma configuração cis quer dizer que os átomos de carbonos adjacentes estão do mesmo lado da dupla ligação. A rigidez da dupla ligação torna o ácido gordo menos flexível. Quanto maior for o número de duplas ligações, maior é a curva do ácido gordo. Um notável papel desempenhado pela ligação cis ocorre nas membranas biológicas: como essas membranas são constituídas por lipídios e esses, na sua maioria, possuem ácidos gordos como constituintes estruturais, o número total de ligações cis em uma membrana vai influenciar sua fluidez (flexibilidade).
Já uma configuração trans, por sua vez, significa que os dois átomos de carbonos em ambas as extremidades da dupla ligação estão do lado oposto. Como consequência, não há dobramento de cadeia, e sua conformação é muito semelhante a de um ácido gordo saturado.
Os ácidos gordos insaturados de ocorrência natural normalmente possuem configuração cis. A maioria dos ácidos gordos de configuração trans não é encontrada na natureza e sim em gorduras que passaram por processos artificiais, especialmente como produto minoritário da hidrogenação de gorduras insaturadas (que consiste em reduzir as ligações duplas de ácidos cis a ligações simples).
Alimentos contendo ácidos gordos insaturados podem sofrer, por exposição prolongada ao ar, oxidação nas ligações duplas, resultando na quebra da cadeia de carbonos na zona dessa ligação e consequente formação de aldeídos de cadeia curta, de sabor e odor desagradável (o ranço). tanto a cadeia de ácidos saturados, quanto a cadeia de ácidos insaturados são importantes para manterem a membrana em equilíbrio, assim desenvolvendo as suas funções.
Nomenclatura
editarO carbono da cadeia hidrofóbica diretamente ligado ao carbono do grupo carboxílico é convencionado como carbono-alfa (α), enquanto que o carbono da extremidade oposta é o carbono-ômega (ω). A numeração dos carbonos inicia-se no carbono do grupo carboxílico; o carbono-α é então o carbono-2.
A presença de ligações duplas numa cadeia de ácido gordo é denotada pelo seu número separado do número de carbonos da cadeia principal por dois pontos. Por exemplo, o ácido oleico, que contém 18 carbonos e uma ligação dupla, denota-se 18:1. O ácido esteárico tem o mesmo número de carbonos, mas nenhuma ligação dupla, sendo por isso 18:0.
É também normalmente interessante denotar a posição das ligações duplas ao longo da cadeia. Assim, a posição é denotada por um delta (Δ) em sobrescrito. Por exemplo, um ácido gordo com uma cadeia de 22 carbonos e duas ligações duplas, uma entre os carbonos 9 e 10 e outra entre os carbonos 13 e 14, será denotado 22:2(Δ9,13).
Os ácidos gordos mais comuns têm número par de carbonos; as ligações duplas, se presentes, raramente são conjugadas e encontram-se normalmente entre os carbonos 9 e 10 e também entre os carbonos 12 e 13 e os carbonos 14 e 15. Os ácidos gordos insaturados produzidos naturalmente têm usualmente as suas ligações duplas na conformação cis; em determinadas condições (como nas reações de hidrogenação de alguns óleos ou no processo digestivo de ruminantes), são formadas ligações trans. As chamadas "gorduras trans" devem o seu nome a eta característica e são consideradas prejudiciais à saúde por o seu consumo estar ligado ao aumento de colesterol "mau" (LDL).
Os ácidos gordos apresentam baixa solubilidade em água e são mais insolúveis quanto maior for a cadeia alifática e menor o número de ligações duplas nesta.
Comportamento em solução
editarDe acordo com AMABIS (1994), Em solução aquosa, os ácidos gordos tendem a agrupar-se em estruturas globulares denominadas micelas, em que a zona do ácido carboxílico ("cabeça") se situa na zona externa da micela, por ser a parte hidrofílica da molécula, enquanto que as "caudas" (hidrofóbicas) apontam para o interior da micela, evitando o contato com o solvente polar. Também pode ocorrer a formação de bicamadas, com a mesma organização das micelas mas estruturando-se formando duas camadas, com as "caudas" voltadas para o lado interno da bicamada. A estrutura em bicamada permite a existência de membranas que compartimentalizam a célula e a separam do meio exterior.
A presença de ácidos insaturados na bicamada lipídica influencia a fluidez da membrana. Uma bicamada composta apenas por ácidos gordos saturados apresenta um empacotamento denso, em que as cadeias longas de carbonos interagem intimamente através de ligações de van der Waals. Por esta razão, gorduras saturadas de cadeia longa são normalmente sólidas à temperatura ambiente (25°C). A presença de ligações duplas cis (mas não trans) introduz um ângulo na estrutura do ácido gordo que diminui a ordem do empacotamento e o número de interações de van der Waals entre as cadeias. Como consequência, a estrutura da bicamada torna-se mais "aberta" e fluida, sendo necessária menos energia para perturbar o empacotamento dos ácidos gordos. Por esta razão, gorduras insaturadas são usualmente líquidas à temperatura ambiente. (AMABIS, 1994)