Escola de Sargentos das Armas/Quaderna

A Quaderna, símbolo da formação do sargento do Exército Brasileiro, possui um simbolismo que por si só torna-a, a representação de um ideal e de vários sonhos e sacrifícios, dedicados ao Brasil pelos sargentos que a ostentam no peito. Mas para que possamos compreender os motivos que deram este valor a ela, precisamos compreender sua origem e seu simbolismo histórico.

Quaderna do Curso de Formação de Sargentos do Exército Brasileiro
Quaderna do Curso de Formação de Sargentos do Exército Brasileiro

Quaderna ou caderna, do latim quaternus, é definida pelo dicionário heráldico como sendo  uma figura composta de quatro peças em forma de um quadrado simétrico. Caso estas peças sejam crescentes ela também pode ser chamada de lunel. Sendo assim, mesmo que tradicionalmente ela seja chamada de Quaderna, o correto seria o termo “Lunel”.

Don Egas Gomes de Sousa (Theatro histórico, genealógico, y panegyrico; erigido a la inmortalidad de la Excelentíssima Casa de Sousa, 1694)
Don Egas Gomes de Sousa (Theatro histórico, genealógico, y panegyrico; erigido a la inmortalidad de la Excelentíssima Casa de Sousa, 1694)

A origem da Quaderna que conhecemos como símbolo da formação das praças graduadas do Exército Brasileiro, possivelmente se encontra nas Cruzadas, por volta dos anos 1000 e 1100. Nesse período, o território que hoje pertence a Portugal, estava sob o poder dos mouros, que a denominaram a região como Reino de Al-Andalus, várias foram as tentativas de sua retomada das cidades e vilas pelos reinos ibéricos, durante uma dessas tentativas, na batalha que ficou conhecida como Cerco dos Campos de Beja, o nobre Dom Egas Gomes de Sousa, primeiro a usar o apelido " Sousa ”, que se julga provir da terra de Sousa, da qual foi um dos povoadores e provavelmente um dos 29 companheiros do lendário cavaleiro D. Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, tomou parte na nessa batalha, na qual "o Lidador" ferido de morte no encontro com Amoliamar, pediu-lhe assumisse o comando, depois de sua morte, porque nele via todos os predicados para suceder-lhe, o que fez com imponderáveis façanhas e incrível valor, completando assim a vitória sobre os mouros. Por esse motivo adotou como armas quatro luas crescentes, correspondentes às bandeiras daquele rei mouro. Além de receber o epíteto de “Bastões de Aragão”. Sendo a lua crescente um símbolo mulçumano que simboliza a renovação, diversos reis daqueles povos utilizavam este símbolo em seus estandartes. Representando a vitória cristã sobre os mouros, a quaderna de crescentes representa a cristianização daquele símbolo, as crescentes em forma de cruz.

Daquele momento em diante, a quaderna passou a ser reconhecida na heráldica européia como um símbolo daqueles que foram honrados por seus soberanos, ou daqueles que têm esperança de uma maior glória. Já a cor prata representa paz e sinceridade. Devido a essa simbologia sua composição de brasões e escudos de armas hoje podemos encontrar em diversas famílias, além dos Sousas, e de diversas cidades e vilas.

No Brasil seu uso foi revivido entre os anos de 1931 e 1946, pelo Exército Brasileiro quando ele passou a fazer uso desse símbolo como peça de uniforme em substituição a elipse cheia abaixo da primeira divisa, inicialmente ela simbolizava que seu portador era militar possuidor  do Curso de Comandante de Pelotão ou Seção. E segundo o historiador militar, Cel Naccer, especialista em história dos uniformes militares, tal escolha foi devido a que ela também representava a vista de cima de quatro colunas estilizadas. Colunas estas que significam os quatro pilares que representam os comandantes daquelas frações: HIERARQUIA, DISCIPLINA, CAMARADAGEM E INICIATIVA.

Com a criação da ESA, em 1945, veio já em 1946 a primeira ligação entre a quaderna e a formação de sargentos, quando o Ministro da Guerra aprovou a insígnia indicativa de comando  da Escola de Sargentos das Armas e dos órgãos a ela subordinados, sendo  esta última insígnia a primeira ligação de fato entre a quaderna e a formação de sargentos do Exército.[1]

Provavelmente após este fato, foi criado o tradicional distintivo da Escola de Sargentos das Armas.

Já estando a ESA em terras tricordianas, o Presidente da República criou o ‘'Estandarte-Distintivo’' para a Escola de Sargentos das Armas, de autoria de Alberto Lima e Luiz Gomes Loureiro, este último,  que em um publicação na Revista A E.S.A de 1951, descreveu o simbolismo do referido estandarte definiu a quaderna agora como sendo: “a quaderna da Escola, símbolo da coesão das quatro Armas, sobre fundo esmaltado das cores heráldicas que perlustram os brasões de Osório e Andrade Neves os heróis feitos nobres no campo da honra.”

Em 1951, o Regulamento de Uniformes de Pessoal do Exército, novamente contribui com a evolução desse símbolo, uma vez que reafirma que todo militar possuidor do curso de comandante de pelotão e seção utilizaria a mesma, diferenciando somente os alunos dos cursos de formação de sargentos, que divididos em dois períodos , cada um desses deveriam utilizar além do brasão da sua escola de formação, no braço oposto também deveria utilizar o distintivo do seu período, sendo: 1º período — uma tira em pala bordada em linha cinza claro e aplicada ao terço superior de ambas as mangas e 2º período de Curso de Aperfeiçoamento — uma estrela prateada no terço superior de ambas as mangas. Já em 1958, a quaderna do curso de comandante de pelotão ou seção  recebe uma pequena alteração, ela passa a circunscrever o distintivo da qualificação militar geral.

Em 1967, a quaderna prateada com fundo azul e vermelho passou a representar o curso de aperfeiçoamento de sargentos que até aquele momento ocorria concomitantemente com o curso de formação, nas instalações da ESA.

Sendo que em 1986, este mesmo motivo sem a estrela passou a ser a representação nos uniformes do curso de formação de sargentos.

E logo em 1988, foi aprovada a quaderna para curso de formação de sargentos temporários e para o curso de formação de cabos, a primeira com fundo prateado e a segunda vazada. Reafirmando assim a representatividade da mesma, como símbolo da formação dos graduados.

Encerrando, até o presente momento, o General de Exército João Camilo Pires de Campos, em suas palavras durante a Diplomação do Curso de Formação de Sargentos das Armas, na ESA, em 2017. Ultimou a descrição heráldica da quaderna, fazendo a ligação com a célebre frase do General de Divisão Herman Bergqvist, tema da aula inaugural por ele proferida ao início do CFS, em 19 de fevereiro de 1979.

"Representa o Curso de Formação de Sargentos com as cores do Exército do Brasil, composto por 4 meias luas crescentes, entrelaçadas por elos, que faz lembrar que o sargento é o elo entre a tropa e o comando."

Sua atual configuração heráldica permanece inalterada desde essa data, mesmo após a aprovação do Sabre Sgt Max Wolf Filho e o 1º Uniforme do Curso de Formação e Graduação de Sargentos, este último que relembra o uniforme utilizado pelos alunos da Escola de Sargentos, possui em seu quepe a quaderna que originalmente não existia, já que segundo o Regulamento da Escola de Sargentos, seria somente um monograma com as letras, mas tal é a tradição desse símbolo com sua as Formação de Sargentos, o mesmo foi incorporado ao atual quepe do referido uniforme.

Resumidamente então, concluímos que a heráldica/história da quaderna da formação de sargentos possui a seguinte simbologia:

  1. Crescente: 1º Momento: Renovação
  2. Quaderna de crescentes: 1º Momento: honrados por seus soberanos, ou daqueles que tem esperança de uma maior glória. 2º Momento: vista de cima de 4 pilares estilizados que representam os os valores dos comandantes daquelas de pelotão ou seção: HIERARQUIA, DISCIPLINA, CAMARADAGEM E INICIATIVA. 3º Momento: as quatro armas: Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia.
  3. Prata: simboliza a paz, amizade, trabalho, prosperidade, pureza e religiosidade
  4. Vermelho: 1º Momento: Nobreza, valentia, bravura, ousadia, esforço, valor, intrepidez, magnanimidade, generosidade, honra, furor e vitória; 2º Momento:  cor da Família Osório. 3º Momento: Cor heráldica do Exército Brasileiro.
  5. Azul: 1º Momento: Justiça, nobreza, perseverança, vigilância, zelo, lealdade, firmeza incorruptível, glória, virtude, dignidade, constância e fama. 2º Momento: cor da Família Neves. 3º Momento: Cor heráldica do Exército Brasileiro.
  6. Estrela: 1º Momento: A estrela simboliza honra, conquista e esperança. 2º Momento: 2º Período ou aperfeiçoamento. 3º Momento: ensino (Quaderna do curso) ou estabelecimento de ensino Estandarte/Distintivo de Escolas de Formação).
  7. Pala: 1º Momento: Força militar. 2º Momento: 1º Período, Formação de Sargentos.
  8. Elos: 1º Momento: que faz lembrar que o sargento é o elo entre a tropa e o comando

A tradição de seu uso, que como vimos foi iniciada a mais de  900 anos e mesmo que hoje seu desenho tenha recebido poucas alterações, foi por felizes coincidências relacionadas ao número 4 que acabou recebendo toda uma significação para os militares brasileiro, principalmente àqueles formados nas Escolas de Formação de Sargentos, que ao passarem utilizar ela em seu peito, mesmo que não saibam sua origem, sabem que ela é a representação de horas a fio de esforço físico e mental, que ela é o reconhecimento da Pátria, por essas horas de dedicação e sacrifício.

Referências

  1. Guerra, Ministério da (21 de março de 1946) [1946]. «Aviso nº 367, de 21 de março de 1946». Escola de Sargentos das Armas (Insígnias indicativas de comando). Rio de Janeiro/RJ-Brasil: Secretaria-Geral do Exército (publicado em 30 de março de 1946). Boletim do Exército (13): 893