Introdução ao Cooperativismo/Cooperativismo e transformação social

Segundo a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), o cooperativismo é um movimento social e econômico, entre pessoas, onde a cooperação fundamenta-se na participação dos sócios nas atividades econômicas com o intuito de atingir o bem comum e promover uma reforma social dentro do capitalismo. Através da cooperação, busca-se satisfazer as necessidades humanas e resolver os problemas comuns.

O cooperativismo substitui a relação emprego/salário pela relação trabalho/renda. Em uma cooperativa, valoriza-se as pessoas e quem toma as decisões é o grupo. A cooperativa não impacta só na realidade do sócio, mas também da comunidade onde é instalada. Desde que a primeira cooperativa foi fundada no ano de 1844, no período da Revolução Industrial, pela fundação da Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale (Manchester-Inglaterra), foram estabelecidos os setes princípios do cooperativismo: adesão voluntária e livre; gestão democrática; participação econômica dos membros; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação e interesse pela comunidade.

A adesão voluntária e livre se dá pelas cooperativas estarem abertas para todas as pessoas que queiram participar, bem como o interesse no mesmo objetivo, assumindo responsabilidades como membro da cooperativa. Não há discriminação, seja por raça, crença, classe ou ideologia.

Uma gestão democrática é uma gestão controlada por todos os sócios da cooperativa, que tenha participação ativa de suas políticas e tomada de decisões. Os representantes da cooperativa são eleitos por todo o grupo.

Em relação a participação econômica dos membros, estes contribuem equitativamente para o capital da organização, ou seja, propriedade comum da cooperativa e de seus membros.

As cooperativas são organizações autônomas e independentes, controladas pelos seus sócios. Se uma cooperativa fazer acordos com outras instituições, públicas ou privadas, deve-se fazer em condições de assegurar o controle democrático pelos membros e a sua autonomia.

Educação, formação e informação para os cooperados, do movimento e das comunidades. As cooperativas promovem a educação e a formação para que seus cooperados e trabalhadores possam contribuir para o desenvolvimento dos negócios e, consequentemente, dos lugares onde estão presentes.

Intercooperação no cooperativismo é o trabalho em conjunto, para o bem comum. A cooperação dá mais força ao movimento e serve de forma mais eficaz para os membros.

Por último, o interesse pela comunidade contribui para o desenvolvimento sustentável das comunidades. As cooperativas fazem isso por meio de políticas aprovadas pelos membros.

Esses princípios, estão relacionados com a transformação social que impacta a sociedade. Diferente do capitalismo, o cooperativismo, age pelo bem comum. A transformação social, como o próprio nome já diz, é uma mudança social que se refere a uma alteração na sociedade. Esta mudança pode ser pela natureza, instituições sociais, comportamento social e pelas relações sociais.

O termo transformação social implica o modo como a sociedade e a cultura transformam-se em resposta a fatores como o crescimento econômico, guerras ou questões políticas. Essa transformação pode ter impacto tanto positivo quanto negativo para as comunidades locais e para o país (POLANYI, 1944).

Segundo os pensamentos do padre Arizmendiarrieta (responsável pelo desenvolvimento cooperativista em Mondragon), o homem tem como destino transforma-se, para transformar ao seu redor. Essa transformação se dá pelas ideias e planos de ação. O homem é a base de tudo, onde a sociedade é o espelho da existência das virtudes do indivíduo.

O espírito humano é capaz de regenerar internamente e externamente o homem, fazendo com que suas realizações sociais tenha uma transformação. Se houver cooperação, podemos ser solidários, e assim progredir em uma emancipação social e econômica.

O homem se torna humano através da educação, consequentemente o progresso da sociedade está na ação educacional e valores humanos e sociais. A educação é economia, pois é necessário se educar para não produzir ou oferecer bens ou serviços escassos. Ou seja, é mais satisfatório educar um jovem do que mudar um adulto.

A inteligência é o fundamento base de igualdade em todos os homens. Portanto, a transformação social através da educação é um lucro inevitável em todos os princípios da estrutura social. O saber é o poder para a democratização de uma sociedade mais justa e humana, onde o conjunto se torna a prioridade para uma vida de qualidade.

A educação e cooperação estão conectadas, com o propósito de realizar um processo didático e existencial para envolver a conscientização e a prática do trabalho. O trabalho e o estudo devem andar juntos, para que haja igualdade de oportunidades para todos.

A experiência cooperativista em Mondragon ressalta a importância da evolução pessoal e a determinação do homem em se tornar no âmbito das relações sociais, uma pessoa responsável, honesta e séria em virtude da organização solidária. Além, de ter se tornado uma experiência expansiva para inspiração de valores humanos e sociais da consciência humana.

Na cooperativa a relação econômica e social é onde se estabelece o relacionamento fundamental entre trabalho e capital, no qual a pessoa não é apenas algo que proporciona o desenvolvimento, mas que faz parte dele. A cooperação trabalha com o coletivo, mas determina a cada um sua responsabilidade. Ou seja, desenvolve o indivíduo com o grupo.

A pessoa é o objetivo principal, desenvolvendo valores para que haja um entendimento do mundo que lhe pertence. É ela o autor, o centro e o fim de toda a vida econômica e social.

O cooperativismo também surge como alternativa para a geração de renda em um mercado de trabalho, no qual as pessoas entendam que juntas terão melhor chance de oportunidades. Um empreendimento coletivo sempre tem maior poder de negociação e de sustentação.

De acordo com Sales (2010) os pioneiros do cooperativismo tiveram como objetivo, melhorar a situação econômica das pessoas, porém para que isso acontecesse, era necessário melhorar as pessoas. Uma das formas usadas até hoje é a qualificação profissional, aprimorando o indivíduo constantemente.

Oliveira (2006) ressalta algumas tendências administrativas das empresas cooperativas: a) elevação do nível de concorrência entre as empresas mercantis e as cooperativas; b) estrutura organizacional cada vez mais enxuta; c) aumento das fusões e incorporações; d) atuação no novo contexto ecológico; e) profissionalização de cooperados e de cooperativas.

O cooperativismo se contrapõe as desigualdades provocadas pela livre concorrência e exploração de mão-de-obra. A inclusão social se torna maior quando se forma uma cooperativa e esta concorre no mercado com as grandes corporações. O estabelecimento de vantagens competitivas por parte de cooperativas tem sido o apelo da economia social, que se bem explorada pode se tornar uma grande vantagem em relação às empresas mercantis.

O local onde o cooperativismo mais cresce é entre os grupos de questões sociais. Um exemplo, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que luta pela reforma agrária e por transformações sociais. As experiências associativas e cooperativas também se articularam como instrumentos importantes de organização destes trabalhadores (PAGOTTO, C. 2007).

Para o MST a cooperação é um instrumento pedagógico que constroe o ser social, permitindo ao trabalhador rural romper com a auto suficiência e o individualismo. Aplicando uma força conjunta na produção e serviços ligados à sua atividade (ESTEVAM, 2009).

A combinação da organização da moradia, agrupamento das famílias e a promoção da cooperação, cria de certa forma uma nova estrutura social no assentamento. Já, que o assentamento é composto por várias famílias, e estas são estimuladas a solucionar seus problemas de forma conjunta. Visto, que uma vez que a pessoa toma medidas individuais pode ser um problema para o assentamento em relação ao seu desenvolvimento e eficiência.

Para o Movimento, existem três razões para estimular e promover a cooperação agrícola entre os assentados, são elas: econômica, social e política. Para as razões econômicas a cooperação do grupo permite que os assentados possam conseguir mais crédito para adquirir bens (consequentemente aumentar a produção), racionalização da produção de acordo com os recursos naturais (principalmente o solo para produção de alimento) e desenvolvimento da agroindústria, visto que a mão de obra pode ser utilizada para diversos setores no assentamento.

Em relação, as razões sociais e políticas a cooperação possibilita a aproximação das moradias com acesso a bens de uso humano (Ex: energia e água), educação e saúde. Levando o assentado a participar das lutas específicas e gerais da sociedade.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra estimulam diversas formas de cooperação organizacional agrícola, como: multirões, compra conjunta, lavouras coletivas, associações e cooperativas para comercialização conjunta. Os Sem Terra se educam participando diretamente, como sujeitos das lutas, humanizando as pessoas. Seja pela vida social, onde as pessoas passam a participar da sociedade, ou pela pedagogia da luta que educa para uma determinada postura diante da vida.

De acordo com Caldart (2001) nada é impossível de mudanças, e quanto mais a pessoa esteja insatisfeita com o atual estado das coisas, mais humana é a pessoa. Ou seja, podemos nos fazer e refazer; contestando a ordem, transformando a realidade e propondo valores. Pois, as lutas sociais produzem as transformações históricas, fazendo à medida que conseguem conformar os indivíduos sociais capazes e consolidar os novos parâmetros de vida em sociedade que vão criando neste movimento.

No Brasil, a OCB juntamente com a Ocemg, criaram em 2009 o “Dia C” (Dia de Cooperar) em Minas Gerais, com atividades culturais, oficina de culinária, consultas médicas, emissão de documentos e diversos serviços para a população. O sucesso foi tão grande que desde 2013, o Sistema OCB vem incentivando e apoiando para que as cooperativas de todo o país se juntem a essa campanha.

O “Dia C” procura transformar ações cooperativas, que muitas vezes ocorriam de forma isolada, e por tempo determinado, em programas permanentes, com ênfase no desenvolvimento social. Além, de buscar transformar ações isoladas das cooperativas locais em um forte movimento de solidariedade em nível nacional. Neste dia pretende divulgar para os brasileiros o sistema cooperativista, cuja a existência é a construção de uma sociedade mais justa e solidária, com equilíbrio de diversas forças sociais.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), as cooperativas ajudam na construção de economias e sociedades inclusivas e podem contribuir para a eliminação de pobreza e para alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O cooperativismo permite às pessoas a criarem suas próprias oportunidades econômicas por meio da força coletiva.

O cooperativismo abre possibilidades no mercado de trabalho para grupos que tenham dificuldades de se inserirem, como pessoas com deficiência, adolescentes em situação de vulnerabilidade e egressos do sistema prisional. A inclusão social das cooperativas é uma grande ferramenta para a igualdade social.

A educação e o cooperativismo estão relacionados ao diálogo da cooperação. Uma educação fundada por diferentes saberes daqueles que participam da organização e das práticas cooperativas. Há dois pontos importantes a ressaltar neste assunto: o primeiro, é que na prática cooperativa, para além de seus propósitos e interesses específicos, produz-se conhecimento, educação e aprendizagem; e o segundo se dá pela prática educativa como processo complexo de relações humanas, onde encontra-se a cooperação.

No estado do Rio Grande do Sul, existe um Programa de Cooperativismo nas Escolas (PCE) que vem sendo desenvolvido há alguns anos, em escolas da região, desenvolvendo no espaço da relação educação-cooperação, uma educação cooperativa. O programa visa estimular e levar práticas cooperativas para dentro da escola, criando uma nova “base pedagógica” no espaço formal e intencional da educação, da aprendizagem que ali se processa. Consequentemente, produz uma mudança na política do processo educativo, através do incentivo e fomento de práticas cooperativas (FRANTZ, W. 2001).

No processo organizativo pelas organizações sociais que atuam com problemas de desigualdades, tem a solidariedade e a cooperação como base e as ações educativas enquanto ferramenta de transformação. Revendo os valores e princípios para a geração de trabalho e renda, desdobrando em autonomia e libertação dos sujeitos.

Ao propor à autonomia e a libertação como proposta da cooperativa, a cooperação e a solidariedade precisam fazer parte da organização e se integrar às práticas econômicas, sociais, políticas e de trabalho. E pelo fato do cooperativismo ser fundamentado na geração de renda sugere-se, ainda, a postura da economia solidária popular, como alternativa a lógica econômica que causa as desigualdades sociais (SILVA, 2011).

De acordo com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (2011), a Economia Solidária pode ser definida em três dimensões: economicamente, culturalmente e politicamente. Economicamente está relacionado em fazer a atividade econômica de produção, oferta de serviços, comercialização, finanças ou consumo baseado na cooperação e democracia (autogestão), ou seja, na economia solidária não existe chefe e nem empregados, pois todos os/as integrantes do empreendimento (associação, cooperativa ou grupo) são ao mesmo tempo trabalhadores e donos.

Culturalmente por consumir produtos locais, saudáveis, da economia solidária, que não afetem a natureza, que não tenham transgênicos e nem beneficiem grandes empresas. Neste caso, há uma mudança no modelo da competição para o da cooperação, livre e partilhada.

Por fim, politicamente, onde há um movimento social, que luta pela modificação da sociedade, por uma forma diferente de desenvolvimento, que não seja baseado nas grandes empresas e nos latifúndios com seus proprietários e acionistas. Mas, um desenvolvimento para as pessoas e construída pela sociedade a partir dos valores da solidariedade, da democracia, da cooperação, da preservação ambiental e dos direitos humanos.

A essência do cooperativismo, está no coletivo. O indivíduo que escolhe fazer parte de uma cooperativa, para mudar seu estilo de vida e trabalho, para vivenciar uma ajuda mútua, construindo uma sociedade igualitária, solidária, com deveres e responsabilidades, tem o compromisso de transformar as relações que hoje são individualistas em ações cooperativistas. O Cooperativismo se fortalece em resposta às dificuldades sócio–econômicas, como um fator de inclusão social e como uma alternativa para que muitos se mantenham no mercado de trabalho (SANTOS e CEBALLOS, 2006).

A busca pela cultura da cooperação é a maneira dos homens desenvolverem-se suas práticas sociais refletindo seu modo de viver, de trabalhar, de morar, de morrer e de se divertir. Ela abrange todas as dimensões da vida, valores, sentimentos/emoções, hábitos, costumes, além da promoção e desenvolvimento de instituições e iniciativas do cotidiano com todas as formas de expressão, de organização e de luta social. A cultura é um processo dinâmico do aprendizado de viver em sociedade. Imersos nela, aprendemos nossos valores, crenças e práticas (SEBRAE, 2014).

Por fim, a transformação social no cooperativismo, tem como base a solidariedade como possibilidade de se cooperar para o bem de si e de todos, melhorando a vida da sociedade, junto com a própria vida. O indivíduo solidário mostra a competência de pensar em si, no outro e no mundo. Sendo assim, o cooperativismo é uma doutrina humanista, tendo o homem como principal fator de suas preocupações, considerando seus interesses e aspirações. Prezando principalmente pela liberdade, seja ela econômica, social ou democrática (SILVA, 2011).