Japão Através da História do Governo Japonês/O Período Nara

V - O Período Nara - (710 - 794) editar

Em 708 d.C., a Imperatriz Gemmei subiu ao trono e, dois anos depois, a sede do governo, que até então se deslocava de um lugar para outro, foi fixada em Nara, na província de Yamato. O palácio imperial, bem como os dois lados da cidade esquerdo e direito, foram construídos com muita solenidade, sendo o lugar a partir daí conhecido como Heijō ("Castelo da Tranquilidade").

No intervalo de setenta e cinco anos a partir dessa data, compreendendo os reinados de sete imperadores sucessivos, é chamado na história do Japão de Período Nara, uma época digna de referência especial por sua grande prosperidade e refinamento. Sob o domínio dos imperadores Tenchi e Temmu, o poder do trono já havia aumentado consideravelmente, e foi reforçado ainda mais pela capacidade do Imperador Mommu e seus sucessores imediatos, de assistir aos príncipes reais que ocupavam os cargos mais altos da administração com talento conspícuo. Lado a lado com o crescimento do poder da coroa, a influência do Clã Fujiwara, descendentes de Nakatomi no Kamatari, também avançou firmemente, até que, como será visto mais tarde, passaram a ofuscar a autoridade real do soberano. Isso, no entanto, ainda não havia se tornado perceptível durante os primeiros anos do Período Nara, quando o Imperador estava em teoria e na prática no ápice do grande sistema centralizado de governo inaugurado pela Reforma Taika.

Entre os eventos deste período, nenhum é mais digno de nota do que a disseminação do budismo. Esse resultado pode ser atribuído, em primeiro lugar, à fé dos integrantes da corte imperial e, em segundo lugar, aos esforços dos talentosos sacerdotes que trabalharam na causa de seu credo com notável zelo e tato. Desde os dias do Imperador Kimmei, quando o budismo chegou ao Japão, seu progresso foi firme e forte, apesar de toda a oposição, até que chegou o tempo em que o Imperador Tenmu ordenar que todas as casas particulares deveriam ter um altar para a adoração do Buda. Os próximos soberanos fizeram com que os cânones fossem copiados e imagens fossem feitas para todas as províncias do reino; e o Imperador Shōmu complementou essas medidas com um decreto exigindo que templos provinciais (kokubunji) fossem construídos em toda parte para monges e freiras. As classes dominantes contribuíram generosamente para o apoio a esses locais de culto, acreditando-se que, por esses meio, a prosperidade individual e a tranquilidade nacional poderiam ser asseguradas. Uma imagem gigantesca de Buda, de mais de 10 metros de altura, foi moldada em cobre e ouro, que existe até hoje no templo em que foi originalmente colocada, em Tōdai-ji, Nara.

Está registrado que o próprio Imperador Shōmu adotou a tonsura e recebeu uma denominação budista. A mãe desse soberano, Miyako, e sua consorte, Kōmyō - ambas filhas de Fujiwara no Fuhito - eram devotas mais zelosas do budismo e, com sua cooperação, o soberano estabeleceu na capital um asilo para o sustento dos desamparados e um hospital de caridade onde os pobres recebiam tratamento médico e medicamentos gratuitamente. Medidas também foram tomadas para resgatar os refugiados e, em geral, para aliviar a pobreza e a angústia. A tradição nos diz que a imperatriz cuidou de novecentos e noventa e nove doentes. O milésimo paciente era um velho miserável que lhe pediu para sugar o pus das feridas ulceradas da pele. Como ela alegremente concordou com seu desejo, ele se transfigurou em um Buda, e levitou, abençoando a devota imperial cuja fé tinha vindo a testar. Entre os grandes temas, também encontramos exemplos como o do Naidaijin Fujiwara no Kamatari e de seu filho o Udaijin Fujiwara no Fuhito. O primeiro, embora ministro construiu um templo e deu a seu filho mais velho o Monge Jōkei para administrá-lo já Fuhito erigiu o templo de Kofuku-ji e dotou-o como o templo principal do Clã Fujiwara. Entre os sacerdotes de alta patente, um cujo nome foi transmitido para a posteridade está o Monge Gyōki.

O Monge Gyōki se tornou famoso no reinado da Imperatriz Genshō, e tendo conquistado a confiança e respeito do próximo soberano, Imperador Shōmu, alcançou o posto de Daisōjō (Abade) e foi posteriormente adorado como Bosatsu (um ser iluminado). Foi por esse prelado que a doutrina das sucessivas encarnações do Buda foi enunciada pela primeira vez, uma doutrina cuja aplicação habilidosa serviu muito à causa do budismo. Pois embora o credo tenha obtido tal influência e sucesso nessa época, sua aceitação universal pela população encontrou um forte obstáculo em sua crença tradicional de que as divindades Xintoístas, fundaram o Estado e legaram o seu cetro à sua posteridade, e prescrevia um credo com o qual a própria existência da nação estava ligada. Essa dificuldade, no entanto, os sacerdotes budistas driblaram habilmente com a ajuda da doutrina que Gyōki ensinou. Segundo esta a deusa Amaterasu fora uma encarnação de Birushanabutsu (o Buda Vairocana), e todas as divindades da terra eram apenas o próprio Buda em várias formas humanas. Por esse raciocínio hábil, dissiparam os preconceitos herdados e deram um grande impulso à disseminação de seu credo. Os monges Gyōki, Dōshō, Rōben entre outros adquiriram influência notável nas massas e, auxiliados por seus alunos, pregaram de maneira a popularizar o budismo em todo o Japão. Nesta época muitos sacerdotes vieram da China para o Japão. Parece, no entanto, que lado a lado com a propagação da convicção budista, foi ensinada a doutrina do destino e da fortuna e a revelação da necessidade dos votos e das penitências. Em todas as direções, a influência sacerdotal fazia-se sentir, até mesmo na Corte Imperial. Nara e seus templos, por permanecerem fora do alcance das batalhas e das conflagrações, escaparam das destruições que periodicamente atingiram outras capitais imperiais, de modo que aqueles que visitarem hoje o lugar podem ver objetos de artes finas e úteis de mais de mil anos.

Um fator notável no desenvolvimento da prosperidade daquela época foi a extraordinária habilidade dos sacerdotes. Muitos deles fizeram viagens à China para estudar as artes e ciências daquele império e, no seu retorno, percorreram a terra abrindo regiões até então estéreis, construindo templos, consertando e estendendo estradas, construindo pontes, estabelecendo balsas, cavando açudes, canais e poços, encorajando a navegação, contribuindo assim tanto para a civilização material do país como para a melhoria moral do povo. Pode-se dizer verdadeiramente que a propagação do budismo estava em sincronia com o surgimento da arte e da ciência. Os carpinteiros, a partir da prática adquirida na construção de templos, aprenderam a construir grandes edifícios; escultores e metalúrgicos tornaram-se hábeis ao fundir e criar ídolos de ouro e bronze; a pintura, a tecelagem decorativa, a ornamentação de utensílios e a iluminação das estátuas e templos devem sua especialização ao patrocínio do budismo; o primeiro ímpeto real dado à arte do oleiro está associado ao nome de um monge. Em suma, quase todos os ramos do desenvolvimento industrial e artístico devem algo à influência do credo. Em um depósito que faz parte do Tōdai-ji, e no templo Hōriū-ji, ambos em Nara, há uma série de utensílios domésticos, objetos de vestuário, instrumentos musicais e assim por diante, herdados do Período Nara, que testemunham uma civilização refinada e artística, não superada pelas gerações que a sucedeu. Entre os artistas glípticos, houve nomes de homens famosos por sua habilidade em esculpir imagens, dois dos quais foram chamados de Kasuga, devido ao lugar em que viviam, e receberam as mais altas honras. É verdade que a arquitetura, a escultura, o tingimento e a tecelagem, introduzidos originalmente da China e da Coréia, foram praticados com considerável sucesso, mas durante o Período Nara essas artes estavam nas mãos de homens celebres em sua época e posteriormente foram reconhecidos por sua proficiência. O mesmo pode ser dito também das artes com Laca e do forjador de espada, que passaram a realizar sua função com uma qualidade muito superior aos padrões antigos. É ainda digno de nota que os métodos de fabricação do vidro e do sabão já eram conhecidos no século VIII.

Simultaneamente com o progresso na arte e na indústria, a aprendizagem recebeu um grande impulso. O Imperador Tenji foi o primeiro a nomear funcionários encarregados de funções educacionais. Uma universidade foi estabelecida em Quioto, bem como escolas públicas em várias localidades das províncias. Os assuntos ensinados principalmente na universidade eram história, os clássicos chineses, direito e matemática. Estas matérias foram chamadas de Shidō, ou os quatro caminhos de aprendizagem. Nos reinados que se seguiram, a educação continuou a receber forte encorajamento, mas o principal objetivo era o treinamento do funcionalismo público, a instrução para as massas ainda permanecia em um estagio insatisfatório. Aprender nessa época praticamente significava ter um bom conhecimento sobre os clássicos chineses. Assim, durante o Período Nara, os estudiosos versados ​​nesse tipo de erudição eram muito numerosos, entre os quais se destacavam o Awata no Mahito, Ō no Yasumaro, o Kibi no Makibi entre outros. Como a distância até a China era razoavelmente próxima, houve casos frequentes de monges e estudiosos que empreendiam a viagem por ordem do governo, os primeiros para investigar assuntos religiosos, e os segundos para estudar literatura chinesa. Mesmo na China, alguns desses homens obtiveram uma alta reputação de aprendizado. Os nomes de Kibi no Makibi (foi nomeado vice-embaixador na China) e Abe no Nakamaro (que se tornou funcionário da Dinastia Tang e nomeado governador de Annam, atual Vietnã) são os mais lembrados. Quando Nakamaro tentou retornar ao Japão, foi nomeado para diversos cargos pelo governo chines, em outra tentativa um violento vendaval o pegou no meio do caminho e foi abrigado a voltar a China onde recebeu a nomeação para Annam e onde permaneceu até sua morte, constantemente tinha esperanças de voltar ao Japão, mas nunca conseguiu realizá-la.

O Japão naquela época possuía muitos estudiosos que podiam escrever chinês fluentemente. A compilação de poesias foi iniciada no reinado do Imperador Kōbun, o primeiro livro de versos já publicado no Japão - o "Kaifūso" - apareceu nesta época. Está registrado que, em uma época anterior - durante o reinado da Imperatriz Suiko - o Príncipe Shōtoku, Soga no Umako e outros, em conjunto, compilaram algumas obras históricas, que foram, no entanto, quase totalmente destruídas na época da queda do Clã Soga. Posteriormente, o Imperador Temmu instruiu o Príncipe Kawashima e outros a escreverem um livro sobre a história do Japão, o Kojiki, sob a supervisão de Hieda no Are que ditou os eventos que tinham sido memorizados de um livro anterior, o Kyūji e das histórias que passaram de geração em geração. Mas o Imperador Temmu morreu antes que a obra fosse terminada e em 712 d.C. Ō no Yasumaro, recebeu ordens da Imperatriz Gemmei para terminar esse trabalho. Um ano depois, as províncias receberam instruções imperiais para prepararem mapas geográficos de cada uma delas, e estas foram reunidas no "Fūdoki", algumas das quais ainda existiam. Durante o próximo reinado, a Imperatriz Gensho continuou este esforço literário fazendo com que o Príncipe Toneri e outros compilassem o "Nihongi" (também chamado Nihon Shoki, lit, Crônicas do Japão), uma narrativa histórica que ia desde o começo do império até o reinado do Imperador Jitō. Nestas duas obras, o Kojiki e o Nihongi, podem ser encontradas as tradições mais antigas do país. Pouco depois, cinco outras crônicas foram sucessivamente realizadas e junto com o com o "Nihongi" passaram a ser conhecidas como as "Seis Histórias Nacionais", cuja ultima compilação foi realizada no reinado do Imperador Daigo.