Ordenamento Territorial

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A ORIGEM TERRITORIAL DO CARÁTER DESIGUAL DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

Aspectos territoriais do processo de desenvolvimento

REFLEXÕES SOBRE AS CONSEQÜÊNCIAS, A LONGO PRAZO, DA CONCENTRAÇÃO E DA DISPERSÃO TERRITORIAL DAS ATIVIDADES PRODUTIVAS E DA POPULAÇÃO, PARA O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL

1. INTRODUÇÃO

É um dado imediato que o desenvolvimento não se manifesta de forma igual em todas as partes, e nem ao mesmo tempo, mas sim de maneira diferenciada no território e desigual no tempo, com intensidades territoriais e amplitudes temporais variáveis. O desenvolvimento pressupõe uma base física sobre a qual atuam grupos humanos, desempenhando atividades essenciais para sua sobrevivência e para a sobrevivência dos seus membros. De um conjunto de habilidades sociais e individuais diferenciadas e de uma base física heterogênea, sobre a qual os diversos grupos humanos atuam coletiva e individualmente, para assegurar a sua sobrevivência, decorrem formas de ação social multivariadas, que terminam por se cristalizarem ao longo do tempo, na forma de padrões de uso e ocupação do território.

2. O CONTEXTO TERRITORIAL DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

A população e as atividades produtivas se organizam em um contexto espacial definido que envolve interdependências recíprocas. Assim, o processo de desenvolvimento manifesta-se de modo diferenciado ao longo e ao largo do território, concentrando-se mais em determinadas parte e menos em outras, caracterizando aquilo que é denominado concentração territorial, resultado das forças inerentes ao próprio processo, que impulsionam, condicionam, incentivam e, em última instância, forçam a aglomeração das atividades produtivas e da população mais em certas áreas do que em outras, provocando um desequilíbrio entre áreas geográficas.

3. A DINÂMICA TERRITORIAL DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

O processo de concentração territorial obedece às imposições de um “campo de forças”, formado por “focos”, de onde emanam forças centrífugas e para onde são atraídas forças centrípetas. Cada “foco” deve ser entendido como um centro de atração e repulsão, de modo que passa a ter seu próprio “campo”, muitas vezes, localizado no “campo” de outros “focos”. Estabelecendo-se uma analogia entre o conceito de centro urbano e o conceito de “foco”, por um lado, e o conceito de área de influência e o conceito de “campo de forças”, por outro, ficam claras as implicações das características territoriais no processo de desenvolvimento. O processo de concentração provoca a ocorrência desigual do desenvolvimento no território, já que os pontos (centros urbanos) de concentração, em função do perfil de dinamismo e difusão que os caracterizam e em função das formas como se organizam, compõem um sistema territorial que não é autônomo, pois a importância de qualquer um dos seus elementos (centros urbanos) fica na dependência da porção territorial que os envolve (área de influência). Esta porção territorial (área de influência) é dependente da capacidade funcional dos seus centros urbanos e da forma como possam desempenhar o seu papel, isto é, as das funções que eles desempenham no território, as quais devem ser vistas em estreita ligação com as suas respectivas localizações. Essas funções que os centros desempenham não devem ser vistas em termos absolutos, mas em termos relativos, pois uma mesma função pode ser desenvolvida a vários níveis, sendo por isso, hierarquizáveis. Isto é, um mesmo serviço pode ser ministrado por centros urbanos de distintos tamanhos, sendo que aquilo que os diferencia é o alcance dos seus respectivos serviços: o alcance do serviço prestado por um centro pode ser maior ou menor do que o alcance de um outro, dependendo das suas respectivas áreas de influência (“campo de forças”). Esse sistema territorial (conjunto de centros urbanos envolvidos e dependentes de porções territoriais denominadas áreas de influência) não pode ser caracterizado com base nas funções exercidas pelos seus elementos (centros), uma vez que as atividades e serviços de cada um deles são múltiplos, e a eficiência do sistema como um todo não depende do melhor ou pior aparelhamento de cada um dos seus centros, face às funções que lhes cabe desempenhar, mas sim da sua própria localização, uma vez que o sistema territorial deve ser visto de forma integrada, e não de modo isolado. Deste modo, as questões de desenvolvimento se prendem às questões de localização, as quais, por sua vez, dependem da distribuição dos centros urbanos pelo território nacional, segundo as suas dimensões, medidas pelos serviços que presta ao seu entorno imediato e pelo alcance de sua área de influência.

4. A ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL COMO CAUSA DO PROCESSO DESEQUILIBRADO DO DESENVOLVIMENTO

As formas de ocupação e distribuição da população e das atividades produtivas no território ocorrem com uma sucessão de “focos” dinâmicos através do tempo, com um “foco” dominando os demais em determinado período, mas ensejando o surgimento de outros “focos” como complementares àquele que é dominante, um ou alguns dos quais assumirá a hegemonia sobre os demais, impondo seu “campo de forças” sobre outra parcela do território. Ou seja, o processo de desenvolvimento, a partir de uma perspectiva territorial é desequilibrado e desequilibrante. A importância do “foco” decorre da existência de atividades com capacidade de dominar e exercer, de modo irreversível, influência sobre o seu espaço circundante. Essas atividades se caracterizam por gerarem impulsos importantes no seu entorno. Esses impulsos se devem às inovações ensejadas pelas atividades existentes no “foco”, pelas complementariedades engendrando outras atividades e pelo predomínio do “campo de forças” exercido por ele. Deste modo, o predomínio de uma área de influência (“campo de forças”) liderada por um centro, ou conjunto importante de centros (“focos”), dentro de uma parcela do conjunto do território nacional, pode ser entendido como o processo de diferenciação da organização do território, que conduz a um processo desequilibrado de desenvolvimento.

5. A CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL COMO CONDICIONANTE DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

A distribuição das atividades se vê consideravelmente afetadas pela localização de outras atividades. Não é provável que as atividades produtivas – indústrias, mineração, agricultura comercial, agricultura familiar, pecuária extensiva, etc. – se distribuam no espaço geográfico da mesma maneira, nem de acordo com os mesmos princípios. Certas atividades, que se caracterizam pela independência locacional, devem buscar uma localização mais próxima dos seus respectivos mercados consumidores (indústrias, comércio, serviços, etc.). Outras, dada a sua natureza imóvel, devem se concentrar em áreas restritas e, muitas vezes, remotas do território (mineração, agricultura, pecuária, etc.). Em conseqüência, impõem padrões de uso e ocupação e de interação espacial específicos, que determinam uma forma de organização territorial. O problema da organização territorial adequada para um processo de desenvolvimento se converte, então, na identificação da distribuição espacial resultante das atividades produtivas e da população em torno das mesmas, que concorram para a universalidade e para a eqüidade. Se os benefícios do desenvolvimento devem ser para os indivíduos (todos os indivíduos), a localizações deles é um fator que não pode ser dispensado na análise e na adoção de políticas, da mesma forma como não deve ser dispensado o conhecimento, o mais claro possível, da localização das atividades destinadas a atender suas necessidades. Existem atividades que devem ser localizadas o mais racionalmente possível, de forma que o aproveitamento dos recursos e os seus benefícios para a população sejam os mais elevados, assegurando o equilíbrio na distribuição desses mesmos benefícios.

6. ENFRENTAMENTO DA PROBLEMÁTICA DE UMA CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL PROMOTORA DE UM PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DESIGUAL

a. Explicar a influência do desenvolvimento dos “focos” (centros) para o conjunto das atividades e as suas decorrências.

b. Explicitar onde se localizam os “focos” (centros) geradores de determinados “campo de forças” (área de influência), o que determinou e condicionou suas origens.

c. Identificar elementos que permitam antever aonde se localizarão os futuros “focos” (centros) e qual seria o alcance esperado dos seus respectivos “campo de forças” (área de influência).

d. Explicitar as formas de ocupação atual do território como resultantes do processo de divisão espacial do trabalho.

e. Identificar os elementos que influenciam o desenvolvimento de uma área dada sobre o curso do desenvolvimento de outras áreas.

f. Explicitar a razão de existência de determinados padrões de estrutura espacial (sistema de cidades) e não de outras, visando identificar elementos que influíram de modo determinante nisso, para que sejam previstos com antecedência.

g. Identificar quais os instrumentos relevantes para o planejamento de uma transformação funcional das atividades, baseadas em critérios de localização para uma adequação da dotação espacial de recursos para acomodação da população vinculada aos setores produtivos emergentes ou dinamizados.

h. Tentar identificar as relações intertemporais existentes na evolução da organização espacial atual, de maneira a permitir formular ações com o objetivo de manter ou otimizar os aspectos positivos e eliminar ou reduzir os aspectos negativos das atuais configurações territoriais no futuro.

7. DOIS PROBLEMAS QUE SE COLOCAM PARA O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO A PARTIR DA CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL

Como iniciar um processo de organização territorial para reverte um processo de desenvolvimento existente.

a) Projetar os efeitos do processo de desenvolvimento dos centros (“focos”) para o contexto específico de um “campo de forças” (entendido como a área de influência exercida por eles sobre uma parcela do território nacional).

b) Determinar a estrutura características de enlaces que ocorrerão nos espaços funcionais e geográficos, compatíveis com o padrão de desenvolvimento dos centros (“focos”).

c) Assegurar o estabelecimento de centros e uma estrutura de enlaces que assegurem o maior efeito de novos enlaces funcionais (para frente e para trás, no que diz respeito à complementariedade produtiva) e uma mudança de desenvolvimento dentro da sua própria área de influência (entendida como uma parte do território nacional) dos centros ou pólos considerados. d) Incentivar iniciativas que facilitem a introdução de inovações vindas de fora e sua difusão interna.

Como conduzir um processo de organização territorial para lograr um processo promotor ou “potencializador” de um maior desenvolvimento.

e) Selecionar localizações adequadas para o estabelecimento de atividades produtivas que possam integrar as áreas de influência dos “focos”.

f) Propor medidas de ação que assegurem que os efeitos decorrentes dos enlaces produtivos e complementariedades funcionais se distribuam no interior do “campo de forças” dos seus respectivos centros, de modo que contribuam à formação de uma seqüência eficiente de reorganização territorial.

g) Estabelecer “observatórios territoriais” de monitoramento dos efeitos de reação sobre o espaço funcional decorrentes de alterações no espaço geográfico. A missão desses observatórios será o acompanhamento da direção dos processos dinâmicos de difusão das ações de desenvolvimento e as mudanças das relações existentes entre os diversos centros urbanos (“focos”) entre si e entre as suas respectivas áreas de influência (“campos de forças”).

8. CONCLUSÃO

O processo de desenvolvimento nacional é desequilibrado e desequilibrante, em função dos padrões de uso e ocupação territorial resultantes da evolução histórica experimentada por uma sociedade ao longo do tempo, cristalizada e rigidamente estruturada, cuja reversão exige reflexão, delineamento estratégico e execução de ações de longo prazo. É desequilibrado em decorrência da desigual distribuição das potencialidades naturais, face às quais, pela etapa de conhecimento em que se encontravam, gerações anteriores optaram por explorar mais determinados recursos e não outros, imprimindo uma forma de organização social, e não outras, em determinados pontos, e não em outros, culminando com concentrações territoriais circunscritas, onde se situam os recursos humanos mais valiosos e as atividades produtivas mais sofisticadas. Dessa forma, a sustentação do processo de desenvolvimento nacional seguindo a tendência vigente, implica em ações que mantenham ou incrementem as atividades, ora em curso, nas partes do território onde já existem, reforçando, desta forma, um padrão de uso e ocupação extremamente concentrado, com todas as suas conseqüências sobre a base de recursos naturais, sobre as deseconomias de aglomeração das áreas metropolitanas e expansão descontrolada sobre o território, tanto para fins de exploração de recursos, quanto para acomodação de novos contingentes demográficos, seja sob a forma de novas áreas de expansão urbana planejadas, seja sob a forma de favelização. O processo de desenvolvimento é também desequilibrante, pois a implementação de novos empreendimentos em outras áreas, ou mesmo a reprodução de atividades tradicionais em novas áreas, conduz também à ruptura de antigos equilíbrios, mantidos sob tensão mais em função dos padrões de uso e ocupação territorial preexistentes. Não há nenhuma garantia que a expansão produtiva e demográfica em direção a áreas, até então mantidas relativamente à margem dos processos que decorrem de tais padrões de uso e ocupação territorial, promova a integração destas de uma forma que possam participar dos resultados do processo de desenvolvimento. Pelo contrário, novos empreendimentos a elas dirigidos podem configurar-se mais como enclaves, que se apropriam dos benefícios, que, por sua vez, são “exportados” e deixam os custos para serem “internalizados” no local, e arcados pelos autóctones. A atenuação (inicial) e eliminação (final) dessas tendências do processo de desenvolvimento terão que partir de uma reconfiguração do território nacional, que imprima uma nova dinâmica territorial, para promover a ruptura da inércia locacional e reverter os padrões de uso e ocupação territorial herdados. Uma ação deliberada no sentido de construir um novo paradigma de desenvolvimento, necessariamente, conjugará instrumentos econômicos, ambientais e territoriais. Um novo paradigma de desenvolvimento pressupõe, como principal instrumento, uma política macroeconômica global, onde esteja definidas a taxa de crescimento anual do PIB, os níveis de investimentos e identificados os setores capazes de promover encadeamentos para frente e para trás, bem como capazes de promover fortes efeitos diretos e indiretos por todos os demais setores produtivos. Do ponto de vista ambiental, o zoneamento ecológico-econômico é um instrumento fundamental para a proposição de um novo paradigma de desenvolvimento nacional, uma vez que estabelece, com clareza, as partes do território e suas respectivas suscetibilidades às diversas atividades produtivas, indicando quais áreas são aptas e para quais atividades, e quais deverão permanecer intocadas para assegurar a sobrevivência da sociedade como um todo. O instrumento para a reconfiguração do território nacional é uma política de ordenamento territorial, uma vez que ela deverá agir na base que sustenta a sociedade e suas ações. Entretanto, faltaria um elemento fundamental para o estabelecimento de um novo paradigma de desenvolvimento, a saber, um projeto nacional, no sentido de explicitar uma imagem futura desejável por todos, indicar os rumos que deverão ser seguidos pela sociedade para que a imagem se transforme em uma realidade e o tempo esperado para tanto. Ainda que repute-se de primordial importância uma nova reconfiguração territorial para que o crescimento ocorra de forma equilibrada e com a preservação das riquezas naturais, sem uma imagem-objetivo da sociedade que se quer não é possível determinar os padrões de uso e ocupação territorial desejados e necessários para tanto. Na ausência daquilo que seria uma imagem-objetivo ideal, decorrente de um projeto nacional, e recusando-se a aceitar sua ausência, e recusando-se, também, a aceitar a continuidade das tendências vigentes, resta, como única alternativa, uma atitude ousada, e mesmo atrevida, de inferência daquilo que seria tal projeto nacional e sua respectiva imagem-objetivo, através da leitura das proposições de políticas públicas, ora em pauta, nas três esferas de poder e nos três níveis de governo, e de formulação de um conjunto de ações estratégicas de longo prazo com vistas a isso. Estratégica, porque, sem a consideração conjunta e simultânea dos fatores determinantes do desenvolvimento, não será possível reverter o quadro atual. Não parece possível que novos patamares de desenvolvimento sejam passíveis de serem atingidos com ações inócuas e quase sem conseqüências, como as por ora preconizadas, como arranjos produtivos locais, apoio às pequenas empresas, artesanato, apoio às atividades informais, etc. Esses expedientes servem, tão somente, para atenuar as conseqüências de um baixo nível de crescimento, de um quadro de desenvolvimento estagnado, de desemprego, etc. Estão em uso há anos, sem que promovam o crescimento, retomem o desenvolvimento, gerem emprego, etc. De longo prazo, porque não se reverte fatores tão preponderantes, como os que causaram o quadro atual, em curtos espaços de tempo. Não se reverterá o congestionamento exacerbado das áreas metropolitanas de uma década para outra. Não se criará pólos de desenvolvimento, com forte poder de enlaces inter-setoriais e com transbordamentos inter-regionais, capazes de alterar relações funcionais, estabelecendo novos padrões de encadeamento e de interações espaciais em uma ou duas décadas. Os prazos de maturação de investimentos transformadores são relativamente longos. A tese básica é que, qualquer que sejam as transformações pretendidas para o conjunto da sociedade, o ponto de partida é a reversão dos atuais padrões de uso e ocupação do território. Logo abaixo do projeto nacional segue a delineação da nova configuração territorial. Ela permitirá que se saiba aonde fazer o quê, para que os aspectos indesejados de desenvolvimento sejam eliminados ou, pelo menos, atenuados, e os desejados, sejam criados e otimizados.