Retórica e argumentação/Figuras de estilo/Enargia

Enargia é uma descrição vívida de algo. Há vários tipos de enargia, classificados pelo tema da descrição.


  • Topografia: Descrição de um local. Se o local for imaginário, a figura é chamada de topothesia.

Exemplo: "Chegaram a um litoral combinando lodo, limo e construções de alvenaria ciclópica coberta de ervas daninhas que outra coisa não poderia ser senão a substância tangível do supremo horror sobre a Terra — a pavorosa cidade-defunta de R’lyeh..." (H.P. Lovecraft, The Call of Cthulhu)


  • Astrotesia: Descrição das estrelas e fenômenos celestes.

Exemplo: "Nós a tinhamos sempre sobre nós, a Lua, enorme: quando era lua cheia — noites claras como o dia, mas de uma luz cor de manteiga — parecia que nos esmagaria; quando era lua nova, rolava pelo céu como um guarda-chuva preto carregado pelo vento; e na lua crescente avançava seus chifres tão baixos que parecia que se infincaria em um promontório e se ancoraria." (Italo Calvino, Le Cosmicomiche)


  • Characterismus: Descrição de uma pessoa. Se esta descrição for estritamente física, a figura é chamada de effictio. Caso a descrição seja estritamente comportamental, a figura é chamada de ethopoeia.

Exemplo 1: "[Esposo:] Como és formosa, querida minha, como és formosa! Os teus olhos são como os das pombas e brilham através do teu véu. Os teus cabelos são como o rebanho de cabras que descem ondeantes do monte de Gileade. São os teus dentes como o rebanho das ovelhas recém-tosquiadas, que sobem do lavadouro, e das quais todas produzem gêmeos, e nenhuma delas há sem crias. Os teus lábios são como um fio de escarlata, e tua boca é formosa; as tuas faces, como romã partida, brilham através do véu. Teu pescoço é como a torre de Davi, edificada para arsenal; mil escudos pendem dela, todos broquéis de soldados valorosos. Os teus dois seios são como duas crias, gêmeas de uma gazela, que se apascentam entre os lírios... [Esposa:] O meu amado é alvo e rosado, o mais distinguido entre dez mil. A sua cabeça é como o ouro mais apurado, os seus cabelos, cachos de palmeira, são pretos como o corvo. Os seus olhos são como os das pombas junto às correntes das águas, lavados em leite, postos em engaste. As suas faces são como um canteiro de bálsamo, como colinas de ervas aromáticas; os seus lábios são lírios que gotejam mirra preciosa; as suas mãos, cilindros de ouro, embutidos de jacintos; o seu ventre, como alvo marfim, coberto de safiras. As suas pernas, colunas de mármore, assentadas em bases de ouro puro; o seu aspecto, como o Líbano, esbelto como os cedros. O seu falar é muitíssimo doce; sim, ele é totalmente desejável. Tal é o meu amado, tal, o meu esposo, ó filhas de Jerusalém."(Ct 4, 1-5; 5, 10-16)

Exemplo 2: "[Menedemus] era bem supersticioso. Certa vez, quando estava em uma hospedaria com com Asclepiades e inadvertidamente comera uma carne a qual fora descartada, ficou enjoado e pálido ao tomar ciência do fato; até que Asclepiades o repreendesse, dizendo que não fora a carne que o fez mal, mas apenas a desconfiança. De todo resto ele era magnânimo e liberal. Quanto à sua constituição corporal, mesmo na velhice ele era robusto e bronzeado em aparência como qualquer atleta, sendo corpulento e sempre anacarado, bem-proporcionado em estatura, como pode ser visto pela estatueta no antigo estádio de Eretria." (Diogenes Laërtius, Vidas dos Filósofos Eminentes)


  • Cronografia: Descrição de uma época, um evento histórico ou um evento recorrente (como estações do ano).

Exemplo 1: "Houve uma época quando os homens vagavam a esmo pelos campos, ao modo das bestas, e sobreviviam da comida das bestas. Nada faziam por meio dos poderes de raciocínio da mente, quase tudo era feito pela força corporal. Nenhuma atenção era dada ainda a quaisquer considerações da reverência religiosa devida aos deuses, ou às obrigações devidas à humanidade. Nunca alguém vira um casamento legítimo, ninguém teve um filho cuja paternidade fosse indubitável, nem fazia qualquer ideia sobre as vantagens de um sistema de leis igualitário. E assim, devido ao erro e à ignorância, a avareza, esta cega e incauta soberana da mente, abusou da força física, a mais perniciosa das servas, com o propósito de se gratificar." (Marcus Tullius Cicero, De Inventione)

Exemplo 2: "Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos, era a era da sabedoria, era a era da ignorância, era época da fé, era a época da incredulidade, era estação da Luz, era a estação da Treva, era a Primavera da esperança, era o Inverno do desespero, tínhamos tudo à nossa frente, não tínhamos nada à nossa frente, íamos todos direto para o Paraíso, íamos todos direto no outro sentido, era um período tão parecido com o presente, que algumas das suas mais ruidosas autoridades insistiam em seu recebimento, para o bem ou para o mal, apenas no grau superlativo de comparação." (Charles Dickens, A Tale of Two Cities)


  • Pragmatografia: Descrição de uma ação.

Exemplo: "O meu amado meteu a mão por uma fresta, e o meu coração se comoveu por amor dele. Levantei-me para abrir ao meu amado; as minhas mãos destilavam mirra, e os meus dedos mirra preciosa sobre a maçaneta do ferrolho. Abri ao meu amado, mas já ele se retirara e tinha ido embora; a minha alma se derreteu quando, antes, ele me falou; busquei-o e não o achei; chamei-o, e não me respondeu... O meu amado desceu ao seu jardim, aos canteiros de bálsamo, para pastorear nos jardins e para colher os lírios." (Ct 5, 4-6; 6, 2)


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