Lógica/Princípio da Explosão, Lei de Dun Scot, Prefixação e as propriedades antiintuitivas da implicação
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Princípio da Explosão
editar- Ex contradictione (sequitur) quodlibet
- Existe uma tautologia bastante "estranha" - ou melhor, uma tautologia que expressa uma perplexidade lógica - conhecida como princípio da explosão:
α | β | ¬α | α∧¬α | (α∧¬α)→β |
V | V | F | F | V |
V | F | F | F | V |
F | V | V | F | V |
F | F | V | F | V |
- Isto pode nos deixar mais perplexos se virmos que é válido o seguinte argumento:
- ou
- Veja-se que são válidos:
- Existem duas coisas muito estranhas neste argumento:
- 1º) A presença de uma contradição ou fórmulas contraditórias entre si como premissas.
- 2º) A ocorrência de um termo na conclusão que não aparece nas premissas.
- Quer dizer, temos que aceitar como válido, segundo os princípios do CPC, o seguinte argumento:
- Eu existo.
- Eu não existo.
- Logo, o céu é azul.
- Muitos devem ter indagado:
- - Oras! A definição de validade lógica de um argumento é que ele é válido se, e somente se, caso as premissas sejam verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira. Mas neste caso as premissas nunca são (ambas) verdadeiras. Como ele pode ser válido?
- O fato é que "num argumento logicamente válido, sempre que as premissas forem verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira" é equivalente a "num argumento logicamente válido, nunca as premissas serão verdadeiras enquanto a conclusão é falsa".
- E como está evidente na tabela seguinte, neste argumento, as premissas nunca são (ambas) verdadeiras enquanto a conclusão é falsa:
α | β | ¬α | α∧¬α |
V | V | F | F |
V | F | F | F |
F | V | V | F |
F | F | V | F |
- Pode parecer um argumento inútil. Afinal, quem argumentaria com premissas cuja falsidade é evidente pela própria estrutura? Mas ele expressa algo muito interessante: pela lógica clássica, sistemas que aceitam contradição devem aceitar qualquer teorema. Em outras palavras: inconsistência implica trivialidade.
- Isto não ocorre nas lógicas paraconsistentes (ver: Lógica/Lógicas não-clássicas).
Lei de Duns Scotus
editar- Ex falso quodlibet
- Mais uma tautologia "estranha":
- Ela expressa a seguinte perplexidade: "Se α é falso, então α implica qualquer coisa". O que, assim como o Princípio da Explosão, é decorrência do fato que se o antecedente é falso, a implicação é verdadeira, seja o conseqüente falso ou verdadeiro.
Prefixação
editar- Mais uma tautologia envolvendo a implicação que pode nos deixar perplexos:
- Ela expressa a seguinte perplexidade: "Se α é verdadeiro, então qualquer coisa implica α". O que é decorrência do fato que uma implicação é verdadeira se o conseqüente for verdadeiro
Propriedades antiintuitivas da Implicação
editar- A função de verdade da implicação pode ser expressa assim:
- Ou seja: É falso que seja verdadeiro e seja falso.
- Basta fazer a tabela de verdade para verificar que é equivalente a :
A | B | ¬B | A∧¬B | ¬(¬A∧B) | A→B |
V | V | F | F | V | V |
V | F | V | V | F | F |
F | V | F | F | V | V |
F | F | V | F | V | V |
- A função de verdade da implicação expressa justamente: “Se o antecedente é verdadeiro, o conseqüente também é verdadeiro”. O que só é falso se o antecedente for verdadeiro e o conseqüente não.
- Repare a semelhança disto com a definição de argumento logicamente válido: “um argumento é logicamente válido se sempre que as premissas forem verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira". É devido a isto que, se uma fórmula formada por uma implicação é válida, então um argumento onde o antecedente desta fórmula seja a premissa e o conseqüente da mesma seja a conclusão é logicamente válido. Isto consiste no teorema da dedução: se , então , e se , então Ex:
- etc.
- Lembrando que na lógica clássica:
- se e somente se
- se e somente se
- Digamos que para sumir com a propriedade antiintuitiva em questão - se o antecedente é falso, a implicação é verdadeira – venhamos a redefinir a implicação de forma tal que quando o antecedente é falso, o valor da fórmula é “indeterminado”:
A | B | A→B |
V | V | V |
V | F | F |
F | V | I |
F | F | I |
- Neste caso, temos uma lógica não-clássica trivalente, na qual não vale o princípio de bivalência nem o do terceiro excluído.
- Outra possibilidade seria redefinir a implicação de forma tal que quando o antecedente é falso, o valor da fórmula é indeterminável (ver: indeterminação ontológica e epistemológica):
A | B | A→B |
V | V | V |
V | F | F |
F | V | ? |
F | F | ? |
- Neste caso o que estamos chamando de “implicação” não é uma função de verdade.
- não seria uma tautologia, não seria válida, o argumento seria inválido, e o argumento seria válido:
A | A→A |
V | V |
F | ? |
A | B | ¬A | ¬B | A→B |
V | V | F | F | V |
V | F | F | V | F |
F | V | V | F | ? |
F | F | V | V | ? |
- E ainda haveria a função de verdade “Se o antecedente é verdadeiro, o conseqüente também é verdadeiro”. E esta função de verdade seria capaz de ser usada para formular tautologias e argumentos válidos que o que acabamos de rotular de implicação não poderia.
- Ou seja, isto não consistiria numa solução para as propriedades antiintuitivas da implicação. Apenas a adição de um operador inútil no sistema.
Parte 2
editar- Outra perplexidade da implicação é, dadas quaisquer duas verdades num sistema, a implicação de uma na outra é verdadeira.
- Lembrando que o desenvolvimento da lógica clássica por Frege tinha como objetivo lidar apenas com a aritmética. Neste caso, a implicação entre sentenças distintas não gera perplexidade. Ex: Se 2 é par, então 11 é primo. Afinal, tanto que “2 é par” quanto “11 é primo” derivam dos mesmos axiomas da aritmética.
- Contudo, ao aplicarmos a lógica clássica a sistemas mais abrangentes, como “conhecimento geral de mundo”, teremos implicações que são verdadeiras e antiintuitivas. Por exemplo: “Se o céu é azul, então Espinoza é filósofo”, “Se Kant é alemão, então a Lua é satélite da Terra” etc. Por um lado, se interpretarmos como “se o antecedente (α) é verdadeiro, o conseqüente (β) também é verdadeiro” não temos problema algum. Por outro, se interpretarmos como “α implica em β” ou “de α se deduz β”, então temos um problema em valorar como verdadeiro uma implicação entre duas sentenças verdadeiras mas desconexas.
- Isto indica um limite de aplicabilidade da lógica clássica: algumas interpretações da implicação só fazem sentido em sistemas nos quais as sentenças tenham conexão.
- Inspirado neste “paradoxo da implicação” (que não é propriamente um paradoxo, ver Paradoxos), I. C. Lewis formulou um sistema de lógica modal na qual aparece a implicação estrita.
- Lógicas modais são tratadas mais profundamente em Lógica/Lógicas não-clássicas. Aqui, basta esclarecer que neste sistema aparecem três novos operadores: , e . Funcionam assim:
- significa “α é necessário”.
- significa “α é possível”.
- significa “α implica estritamente β”. O que é equivalente a
- Ou seja, não é possível α ser verdade e β ser falsidade.
- A lógica modal de Lewis permite a formalização de sistemas nos quais as sentenças podem ou não ter uma conexão. Contudo, alguns resultados antiintuitivos da implicação têm suas versões na implicação estrita. Ex:
- Ou seja: uma proposição (ou fórmula) necessária é implicada estritamente por qualquer proposição.
- Ou seja: uma proposição impossível implica qualquer proposição.
Questões Filosóficas
editar- Até que ponto o intuitivo é relevante a uma ciência?
- A intuição é uma garantia racional da verdade ou falsidade de algo?
- Ou a intuição é apenas uma conformação com o usual, dentro do qual apenas algumas verdades garantidas pela razão (por outros meios) se encontram?
- Se for o caso, não bastaria simplesmente, ao aplicar a lógica na retórica, ignorar argumentos antiintuitivos - ex: , , etc. - assim como são ignorados argumentos válidos e intuitivos, mas inúteis para a retórica - ex: , , , etc. - ?
- Por outro lado, até que ponto uma ciência que se propõe a estudar a validade formal dos raciocínios pode ignorar a intuição?