Mecânica dos fluidos/Válvulas para serviço severo

Fenômenos que danificam as válvulas de controle

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Uma válvula que trabalha com fluidos bifásicos está sujeita maior a desgaste porque, na fase gasosa, o fluido ocupa um volume maior, diminuindo o espaço disponível para a fase líquida. Em função disso, a velocidade desta fase aumenta. A velocidade maior significa maior atrito do líquido na superfície interna. O desgaste da superfície é aproximadamente uniforme, dando à mesma um aspecto de superfície que sofreu polimento.

A válvula de controle, quando parcialmente aberta, constitui uma restrição na tubulação. Por isso, a velocidade do fluido aumenta ao atravessá-la e a pressão termodinâmica aumenta. Se o fluido for um líquido e a pressão atingir um valor abaixo da pressão de vapor desse líquido, ele se vaporiza. Em função disso, formam-se bolhas no interior da tubulação; esse fenômeno é chamado de flashing. O flashing traz os mesmos prejuízos que o trabalho com o fluido bifásico.

A jusante da válvula, a velocidade volta a diminuir e a pressão aumenta. Em função disso, essas bolhas podem implodir. Se isso ocorrer muito próximo à válvula, pode provocar rapidamente o desgaste. Esse fenômeno é chamado de cavitação, e já foi mencionado anteriormente. O desgaste da superfície não é uniforme, dando à mesma um aspecto enrugado.

A cavitação é um fenômemo bastante destrutivo, e deve-se fazer o possível para evitá-lo. Válvulas que oferecem uma passagem mais livre, como as do tipo borboleta e esfera, são mais susceptíveis à cavitação que válvulas do tipo globo, por exemplo. Existem dispositivos anticavitantes, que fazem com que a queda de pressão aconteça em estágios, de forma que a pressão nunca caia abaixo da pressão de vapor do líquido. Outra alternativa é a construção da válvula com múltiplos caminhos, com o objetivo de diminuir a vazão em cada um deles.

Os danos causados a uma válvula dependem de vários fatores, além da intensidade da cavitação em si: o revestimento, por exemplo. Assim, define-se um índice de dano por cavitação


 


onde pv é a pressão de vapor do líquido, pi é a pressão na entrada e po, a pressão na saída da válvula. Cada fabricante pode então indicar o valor máximo de Nk que suas válvulas suportam. O índice de dano por cavitação varia entre 0 e 1; quanto maior esse valor, maior a resistência à cavitação. Um valor de Nk > 1 indicaria que po < pv, e não poderia ocorrer cavitação.

O inverso de Nk é o parâmetro sigma, adotado pela norma ISA-RP75. Esse parâmetro serve para indicar não a resistência da válvula, mas a intensidade da cavitação, de acordo com a tabela abaixo.


Regimes de cavitação
Faixa Descrição
σ < 0 Fluido totalmente em fase gasosa.
0 < σ < 1 Ocorre apenas flashing, não cavitação.
1 < σ < σi Impacto da implosão de bolhas não percebido.
σi < σ < σc Incipiente. Implosão de bolhas começa a se fazer notar, mas não há dano à válvula.
σc < σ < σmr Constante sem danos. Alguma vibração e ruído na tubulação. Ainda não há danos físicos à válvula.
σmr < σ < σmv Constante com possíveis danos. O índice de cavitação aceitável foi ultrapassado, podendo haver danos fisicos.
σ > σmv Intolerável. Danos físicos presentes.

O valor σmr, como é fácil ver, é exatamente o inverso do índice de dano por cavitação indicado pelo fabricante da válvula.


Ruído

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O ruído na tubulação pode ser causado por fontes de natureza mecânica, hidrodinâmica ou aerodinâmica. Este último é o de maior incidência nas indústrias, e também aquele mais frequente nas válvulas de controle. O ruído, quando excessivo, pode causar desgaste dos componentes e prejudicar permanentemente a audição dos trabalhadores que atuam nas proximidades.

Em algumas áreas industriais, as válvulas de controle chegam a ser a principal causa de ruído ambiente. O nível de ruído depende de diversos fatores: vazão, pressão diferencial, geometria da válvula, propriedades do fluido, etc. Em geral, não é possível medir no local o ruído produzido por uma determinada válvula, devido à existência de outras fontes de ruído próximas e à possível interação entre essas diversas fontes. Por isso, existem aplicativos que permitem estimar o nível de ruído ainda durante a fase de projeto. Existe também uma norma, a IEC 60534-8-3, que especifica como esses cálculos devem ser feitos.

As válvulas mais sujeitas a ruído são, em geral, aquelas onde ocorre maior perda de carga. Por exemplo, numa válvula de alívio com alta pressão na entrada e saída direta para a pressão atmosférica. O ruído também é intenso quando a velocidade de escoamento é elevada; um valor acima de Mach 0.3 geralmente levará a ruído intenso. Aplicações industriais podem atingir até Mach 0.7.

Para diminuir o ruído produzido, podem-se usar válvulas de múltiplos estágios e/ou múltiplos caminhos e/ou difusores para diminuir os diferenciais de pressão, ou um difusor com geometria especial. Esses dispositivos estão normalmente disponíveis apenas para válvulas dos tipos globo ou esfera. A velocidade do escoamento deve permanecer abaixo de Mach 0.3 para que eles sejam efetivos. Podem-se também usar silenciadores e isolantes acústicos de maneira a abafar as vibrações.


Válvulas para serviço severo

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Válvulas com alto valor de Nk ou que evitam a ocorrência de cavitação através de dispositivos anticavitantes são chamadas válvulas para serviço severo. Também recebem esse nome válvulas especiais que possam trabalhar sob condições adversas em geral (pressão, temperatura, vibração, corrosão excessivas, sólidos em suspensão); as válvulas em caldeiras a vapor precisam suportar pressões típicas de 140 barg e temperaturas de até 540 °C.

Cavitação e flashing

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A resistência à cavitação e ao flashing dessas válvulas pode ser caracterizada pelo seu fator de recuperação de pressão, que é relacionado ao seu coeficiente de recuperação de pressão. O valor varia desde 0.3, para válvulas tipo borboleta ou esfera comuns, até próximo a 1.0 para válvulas globo com dispositivo anticavitante.

Revestimentos usados em válvulas sujeitas a cavitação e flashing são os aços da série 400, com tratamento térmico, o aço inox 316 com stellite e a liga de aço cromo-molibdênio.

O dispositivo anticavitante mais simples consiste na construção de um estágio intermediário, revestido de material endurecido, colocado antes do obturador, e com geometria tal que force as bolhas a chocar-se entre si, de modo a diminuir o número de bolhas que atingem o obturador e limitar seu tamanho. Para condições de cavitação mais drásticas, as válvulas possuem múltiplos estágios anticavitantes.

O artifício mais comum na construção de válvulas sujeitas a flashing é a colocação da saída em ângulo, de modo a oferecer uma menor área de obstrução na passagem do fluxo. Dispositivos anticavitantes não são efetivos para trabalho com fluidos multifase ou sujeitos a flashing.

Pressão e temperatura

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Com relação à pressão e à temperatura de trabalho, a norma ASME B16.34 estabelece o conceito de classes de pressão, e traz tabelas que relacionam, para cada uma dessas classes, a pressão máxima de trabalho de acordo com a temperatura, para cada tipo de material. Como exemplo, veja-se abaixo a tabela para válvulas de aço carbono.


Pressão máxima de trabalho para válvulas de aço carbono (psig)
Temperatura (°F) Classe 150 Classe 300 Classe 600 Classe 900 Classe 1500
-20 a 100 290 750 1500 2250 3750
200 260 750 1500 2250 3750
300 230 730 1455 2185 3640
400 200 705 1410 2115 3530
500 170 665 1330 1995 3325
600 140 605 1210 1815 3025
650 125 590 1175 1765 2940
700 110 570 1135 1705 2840
750 95 505 1010 1510 2520
800 80 410 825 1235 2060

Para outros materiais, definem-se diferentes classes de pressão. A maior delas é a de 2500 Especial.

Outros fatores

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Também é fator importante, para essas válvulas, a classe de vazamento (conforme o ANSI FCI 70-2), que deve ser V ou superior.

Para trabalho com fluidos corrosivos, existem materiais de revestimento como aço 317, 321, 347, duplex e superduplex.