REA - Educação a Distância e Ambientes de Aprendizagem/As faces do trabalho
As faces do trabalho
editar1) O real Brasil rural
editarCheguei a um assentamento de terra do MST, que está prestes a completar 30 anos, e tive de buscar entre as vacas leiteiras algumas pessoas que foram emblemáticas à história do Movimento. Lá chegaram eles: de botas sete léguas, um suor acumulado e muita disposição para conversar comigo. Imediatamente, os questionei sobre a existência ou não de uma discriminação da sociedade por eles serem ligados ao MST.
O primeiro me respondeu que “o que há é uma descriminalização maior dentro do projeto macro da sociedade, enquanto ao olhar do assentamento, da reforma agrária, como um modelo possível pro desenvolvimento do país. Mesmo no governo, mesmo entre as forças de esquerda, o que está colocado é a visão do agronegócio. E essa é a visão do consumo. Nesse patamar, o MST, onde se coloca a possibilidade de uma sociedade mais justa, mais equilibrada, com um desenvolvimento mais sustentável – e neste sentido, o próprio assentamento é a representação do Movimento – nos próprios governos, acaba ficando um negócio meio fora de foco, não é o centro. Isso é uma espécie de discriminação. Porque tu ficas se sentindo meio fora, como quem está andando contra a maré. Porque a indução do modelo econômico que o governo impulsiona, através das suas próprias políticas, de banco e coisa assim, é pra outro tipo de desenvolvimento, não é pra esse que nós ilustramos. Então, se tu vai olhar aqui, no assentamento, a condição de vida das pessoas, a produtividade econômica, os resultados econômicos, isso é incomparável a qualquer modelo. Só que pra isso se fecham os olhos, pra isso se nega, pra isso se combate, mesmo dentro do governo. Por quê? Por não querer se projetar a possibilidade de outro modelo. Está colocado isso. Então tem uma disputa ideológica, de luta, hoje, mais complicado do que em outras épocas: se está esmagado a ideia da reforma agrária. Quando eu falo de reforma agrária, me refiro à própria conjuntura do MST e da esquerda de modo geral. Quem era esquerda antes hoje tem outro discurso, outro horizonte. Esse é o limitador que eu acho hoje que é mais grave do que a discriminação que tu te refere”.
Logo em seguida, o outro trabalhador completa, que “neste contexto, de tu for olhar, o que deveria ter força, cada vez mais, são as regiões históricas da própria agricultura, onde no século passado foi feita a colonização, onde foi feita a reforma agrária. Se observarmos essa região Serrana, de Caxias, Bento, Garibaldi, onde foi distribuída a terra, aquele camponês histórico perdeu a força. Ele não é mais bem visto. Ele perdeu espaço. Poucos sobraram. Os filhos foram todos seduzidos para a cidade e os velhinhos estão lá. Esse é o sinal. O que é o modelo do Brasil rural são aquelas grandes extensões de terra, aquelas metrópoles e os grandes centros. Mas o Brasil real ele é um pouco diferente: ele é feitos pelos pequenos produtores da agricultura familiar”.
2) Educação para a vida, dignidade no campo
editarO sistema educacional de Cuba visto como fato isolado à organização política é impensável. Isso porque há na ilha um sentido educacional decentralizado de uma demanda de um mercado capitalista, o que provoca uma nítida diferença no entendimento do ensino, já que não se educa para conseguir emprego nem para mudar de classe social, mas para a vida. Cuba, país cujo sistema de organização socialista faz pouca distinção entre as remunerações atribuídas a cada área de atuação profissional, pensa a educação como uma prioridade do governo, junto com os serviços de atenção à saúde, e sendo estes de acesso global e gratuitos em todos os níveis, torna possível a efetivação de uma lógica de educação voltada à preparação para a vida em sociedade, ou seja, para aquilo que cubano gosta de chamar, coberto de razão, de liberdade. As distinções práticas desse sistema incluem, entro outros, uma significativa permeação das discussões políticas e sociais nas diferentes áreas que visam à preparação dos alunos para a vida, em uma sociedade pensada para ser igualitária, segundo a compressão martiana de justiça e de liberdade pessoal. Os desafios a este sistema, por sua vez, também estão acoplados ao sistema político vigente e perpassam questões como o bloqueio econômico, as políticas de restrição social e, paradoxalmente ao socialismo, às desigualdades salariais entre ocupações, que mesmo sendo pequenas, existem e provocam desvios de cargos ou aumento da jornada de trabalho, por exemplo, mas o que não é nada significativo se comparado ao modelo capitalista. Desvelar aspectos deste sistema pode nos ajudar a repensar e a construir novos formatos à educação brasileira, assim como, entender projetos já em desenvolvimento nesta perspectiva, como é o caso das instituições de ensino dirigidas pelo Movimento Sem Terra. Estes projetos do MST no Brasil são inspirados no modelo cubano e buscam espaço e confiabilidade nas suas práticas de educação ainda muito vistas como aos avessos de uma organização predominantemente globalizante e mercantil. O mercado de trabalho ainda não está preparado para receber sujeitos pensantes, ativos e autônomos. A maior demanda de trabalho ainda são para vagas cuja reprodução de uma mesma atividade acaba por reduzir em absoluto a participação dos trabalhadores naquilo que eles mesmos produzem. A escola, por sua vez, acaba acompanhando a lógica de mercado e se contenta em ver que o aluno decorou uma sequencia de informações, de preferência, sem questioná-la, amesquinhando o potencial criativo e educativo que deveria compreender o processo de uma formação para a vida.
3) Objetivos
editarObjetivos do REA é possibilitar, num primeiro momento, a reflexão sobre as diferentes faces do trabalho usando-se de situações claras e pontuais, como é o caso aqui do MST. A mistura de um texto simples, dialogado e no formato de ensaio, possibilita que um debate possa acontecer com base nos argumentos tratados a partir do material. Para um segundo momento, este território pretende pensar em como a educação se dá nesta situação de trabalho rural, explorando de forma crítica as suas perspectivas e possibilidade. Por parte dos alunos, este modelo é pensado no sentido de incentiva-los a produzir um algum fotográfico com suas próprias percepções acerca do tema escolhido por eles, bem como uma reunião textual que, de alguma forma, conteste, critique ou simplesmente faça um reflexão sobre a situação que se pretende 'olhar mais de perto'. Esta reunião de materiais significa a produção de uma espécie de portfólio, sendo que os alunos poderão usar imagens prontas, pesquisadas na internet, dada a eventual impossibilidade de estes acervo ser construído por eles mesmos.
4) Trabalho rural e cooperação
editarEstou nas dependências da fazenda Anoni. Vou dormir aqui nesta noite, em um alojamento do projeto Educar, que oferece educação de nível técnico e superior aos adolescentes. Por sinal, eles são muitos. E como essa escola funciona de modo contínuo, sem ter férias nunca, eles estão fazendo a maior bagunça por aqui, em pleno janeiro. Mas isso não quer dizer muito para um corpo cansado, acho que consigo dormir de qualquer forma. Vou sonhar de olhos abertos com o que eu vi durante o dia, até dormir.
Ter a oportunidade de conhecer mais a fundo o Movimento Sem Terra está sendo algo renovador. Isso porque este movimento me mostra todos os dias o quanto eu não sei nada sobre a vida. Eu cheguei por aqui, mesmo que simpatizante da ideia e conhecedora da literatura, achando que encontraria apenas lonas pretas e um povo muito rebelde. Logo na entrada, ao contrário, fui recebida com abraços fraternos em casas compostas por jardins floridos e hortas coletivas. Mas isso também não quer dizer que as lonas pretas tenham se extinguido.
Estar por perto do movimento me mostrou o quanto eu não sei nada sobre o trabalhador rural, vida coletiva e os seus estilos de vida, muito embora eu tenha me criado raspando tacho de geléia. Agora eu sei que esse é um dos muitos trabalhadores rurais que, assim como os demais, percorre a terra de sol a sol a procura de seu sustento, em primeiro lugar.
Descobri, ainda, mas não por fim já que essa lista poderia ir muito mais longe, que não sei nada sobre movimentos sociais. Eu, que me achava muito esperta por doar roupas velhas na campanha do agasalho, encontro um coletivo que há quase 30 anos se organiza através de lutas contra o estado para ter um dia o direito de ter o seu lote de terras e poder trabalhar na sua propriedade. Mas isso tudo, não é nada que eu possa descrever por aqui, por mais que linhas tivessem. O trabalho que é desenvolvido nos assentamentos do MST deve ser presenciado por cada um cuja referência ao movimento foi construída pela TV.
A TV nos mostra um povo revoltado que pratica atos de criminalidade. Aqui, se descobre que muitos destes vândalos foram identificados no passado como enviados da própria polícia para causar os crimes que acabavam saindo na mídia, sempre posicionada contra os movimentos sociais. Estes se juntavam ao movimento dizendo-se sem terra e mais tarde foram identificados como tal. O que eu vi, foi um povo com uma organização jamais vista, que trabalham de modo coletivo, dividem igualmente tudo o que ganham e mantém uma luta social para que outras pessoas possam conquistar às suas vidas um pouco de dignidade adquirida pelo direito de trabalhar.