Prosumers/A colaboração coletiva
- A colaboração coletiva
O poder das multidões
editarO advento da Internet modificou de forma significativa a forma de relacionamento entre as pessoas. E essa relação entre pessoas de culturas e países diferentes aflorou uma das necessidades mais básicas do ser humano, a necessidade de se sentir compreendido e conectado a outros seres humanos. Esse sentimento de fazer parte de um todo e contribuir com esse todo fornece um contexto para cada pessoa, dá-lhes uma razão de ser, acima de suas necessidades pessoais.
De acordo com Roger Elliott, psicólogo inglês, o ser humano necessita “aprender alguma coisa nova, ampliar seus horizontes, isso melhora as habilidades existentes e pode proporcionar uma sensação de progresso e realização. Sem isso uma pessoa pode se sentir inútil, ou que não há nenhuma razão real para sua existência”.
A Internet se tornou esse todo do qual as pessoas querem fazer parte, contribuir com uma rede mundial de informação acontece de forma natural para todos que se conectam a Internet. E em algum momento, contribuir com informações e expor ideias já não eram mais o suficiente pra usuários que sabiam que essa conexão mundial poderia oferecer muito mais.
A princípio, a colaboração através da rede se dava de forma bem restrita, nos fóruns. O termo Fórum, na Internet, é utilizado para designar um site que tem como objetivo criar um espaço para discussão em torno de um determinado tema. É possível encontrar fóruns sobre os mais variados temas. Nesses sites, os usuários podem postar dúvidas, soluções e ideias para projetos, de acordo com o tema que mais lhe interessar.
É através dos fóruns que outros usuários podiam colaborar com o desenvolvimento dos projetos alheios, sem que necessariamente se conhecessem. Ainda hoje são muito usados para discussão de assuntos específicos.
Apesar de os aparelhos celulares que utilizam a tecnologia Android terem sido lançados 2008, os desenvolvedores de aplicativos para essa plataforma de celular utilizam largamente os fóruns de discussão para trocar experiências e formas de desenvolvimento utilizando os Pacotes de Desenvolvimento (SDK) disponibilizados pela empresa.
Com o passar dos anos, a Web começou a ser utilizada de forma mais complexa, o que possibilitou uma expansão e mistura de temas, que antes eram separados em sites próprios. É possível encontrar sites com inúmeros projetos, sendo desenvolvidos simultaneamente, com o apoio das mesmas pessoas.
No caso do Iphone, apensar de possuir um sistema operacional fechado, sua empresa disponibiliza Pacotes de Desenvolvimento (SDK) para a produção independente de aplicativos para o smartphone, muitos programadores produzem aplicativos para a empresa, que antes de comercializá-los tem de aprová-los para manter um padrão de qualidade, mantido pela marca.
Os programadores reúnem-se em fóruns para trocar dúvidas e melhores opções de utilização de dados. Esses usuários não só fazem parte de uma comunidade, mas também alimentam um banco de dados sobre a marca de forma a mantê-la sempre atualizada, podendo fornecer soluções para eventuais problemas de sistema, ou novas formas de utilização do aparelho.
Os fóruns não foram esquecidos, ainda hoje são fonte de informação feita de usuário para usuário que são na maioria das vezes precisas e de grande ajuda.
Mas enquanto os fóruns possuem um foco em assuntos definidos e diretórios próprios para usuários novos, dúvidas freqüentes, e áreas de discussão, os sites colaborativos se destacam por exatamente possibilitar uma maior mistura de pessoas com opiniões variadas sobre assuntos variados.
Essa colaboração, onde as pessoas se envolvem em projetos e apóiam ideias criadas por outras pessoas é chamado Peering (Peer – Parceiro). Os projetos desenvolvidos através do Peering são Open Source (Fonte Aberta), diferente dos projetos desenvolvidos dentro de grandes empresas, que são sigilosos. Inúmeras pessoas e/ou organizações podem participar de forma voluntária e a contribuição pode acontecer em várias etapas diferentes do projeto.
O Peering é uma nova e crescente ferramenta para a inovação de projetos e ideias. Esse modelo de produção está sendo tão intensamente utilizado na rede que acabou se subdividindo em duas categorias de colaboração, chamadas Crowdsourcing e Crowdfunding.
O Crowdsourcing (Crowd – Multidão, Coletivo; Source – Fonte) é um modelo de produção colaborativa que utiliza de forma voluntária e sem fins lucrativos o conhecimento e a inteligência dos usuários participantes para solucionar problemas, criar conteúdos e desenvolver novas tecnologias. A criação de softwares open source como o navegador Firefox, o em constante desenvolvimento sistema operacional Linux - Ubuntu e o site da Wikipedia são exemplos de grandes projetos desenvolvidos através do modelo de Crowdsourcing.
O maior site de Crowdsourcing da Internet é a Wikipédia, uma enciclopédia online que pode ser editada por qualquer internauta. A Wikipédia foi fundada em 2001, e hoje já conta com 19 milhões de artigos, 720 mil deles em português, e esses artigos são editados por apenas 0,10% do total de visitantes que já chega a 365 milhões de pessoas.
Em 1998, uma comunidade online foi criada para desenvolver um novo navegador como opção para o Internet Explorer. O Mozilla Firefox tem uma interface simples, mas que pode receber extensões e aplicativos de acordo com o gosto do usuário. Dessa forma o Firefox foi o primeiro navegador a possibilitar customização, e as novas versões são lançadas sempre levando em consideração as opiniões e experiências dos usuários dos usuários que utilizam o navegador.
O sistema operacional Linux começou a ser desenvolvido no começo da década de 1990 por uma equipe de desenvolvedores que se reuniam em fóruns de discussão. Desde o princípio o código fonte do sistema operacional Linux era disponibilizado para qualquer um que quisesse utilizar, estudar, modificar e distribuir livremente, de acordo com os termos de licença.
Criar é o novo consumir
editarO Crowdfunding (Crowd – Multidão; Funding – Financiamento) é um modelo de colaboração que acontece através da obtenção de capital para iniciativas de interesse coletivo. A agregação de múltiplas fontes de financiamento acontece através de sites, onde os projetos são inscritos e por onde as pessoas podem doar qualquer quantidade de dinheiro para o projeto que desejarem. Cada projeto possui uma meta que precisa ser alcançada para que então seja desenvolvido.
A própria equipe envolvida no projeto disponibiliza um meio para que aqueles que doaram dinheiro para seu projeto possam acompanhar o desenvolvimento do mesmo e vejam sua conclusão. Neste tipo de participação, o indivíduo não participa efetivamente do desenvolvimento do projeto.
O site Quirky, norte americano, angaria fundos para projetos em especial de Design de produtos, e a partir do próprio site, os participantes podem vender seus produtos quando concluídos.
O crowdfunding já é bastante disseminado nos Estado Unidos e na Europa, e agora passa por uma recessão devido a problemas com as formas de pagamento para colaborar com o projeto de terceiros.
O Catarse é “a primeira plataforma de financiamento colaborativo de projetos criativos do Brasil”, como o próprio site se descreve. No site é possível visualizar os mais variados projetos que estão em andamento. É possível ver o quanto os projetos já receberam e quanto tempo falta para começar a serem desenvolvidos.
A necessidade de compartilhar
editarOutra forma de colaboração acontece através de sites que possibilitam os usuários cadastrados colocarem de forma gratuita informações que são consideradas relevantes para outros usuários. Nesse modelo de colaboração, o site é alimentado de informações pelos usuários individualmente, mas que como um todo, geram o banco de dados do site e contribuem na expansão do ciberespaço.
O Digg é um site norte-americano que reúne links para notícias, podcasts e vídeos, enviados pelos próprios usuários e avaliados pelos mesmos. Esse site combina marcações, blogs e feeds. As notícias mais aclamadas pela comunidade virtual chegam a alcançar mais de mil votos (diggs) em algumas horas. Através desse site é possível descobrir quais notícias estão sendo mais lidas ou vistas, e comentadas.
O Site Delicious oferece um serviço online que permite que o usuário adicione e pesquise links sobre qualquer assunto. O site é um mecanismo de busca para se encontrar o que quiser na web, e é também uma ferramenta para arquivar e catalogar os sites favoritos dos usuários para que se possa acessá-los de qualquer lugar. Além disso, é possível compartilhar links favoritos com outros usuários e visualizar os favoritos públicos de outros membros da comunidade. O site também pode ser usado para criar listas de presentes, para acompanhar websites que tem conteúdo e links dinâmicos - RSS - e para pesquisas sobre qualquer assunto.
O site Instructables, criado em 2005, tem uma proposta um pouco diferenciada em relação a outros sites de compartilhamento de informações. Através dele foi criada uma comunidade onde os membros colaboram uns com os outros colocando à disposição de todos os participantes, o desenvolvimento passo-a-passo de projetos chamados “home made” (feitos em casa). Essas etapas de desenvolvimento normalmente vêm com imagens de apoio e os membros podem participar comentando e debatendo no fórum sobre o projeto.
Essas várias maneiras de se criar e desenvolver projetos de forma colaborativa está em ascensão, e todo esse conteúdo e material criado é propriedade intelectual de um grupo de pessoas e/ou organizações.
Essas produções são propriedades intelectuais protegidas e possuem direito de cópia e reprodução, mas na Internet, nem tudo é tão preto e branco. Como a Internet possibilita os usuários copiar, modificar, e distribuir, os direitos sobre criações, vigentes no mundo “real”, passaram a ser desrespeitados na rede.
O copyright e o Copyleft
editarO Copyright, que é o direito de cópia e reprodução sobre a propriedade intelectual do autor, passou a não mais se aplicar em casos de propriedade intelectual desenvolvida ou veiculada na Internet. É claro que muitos produtos, como filmes e música são protegidos pelo Copyright, mas ainda assim são distribuídos gratuitamente pela rede.
Mas os projetos colaborativos não se encaixam nos termos do Copyright, principalmente por restringir os direitos colaborativos sobre a obra, ou seja, esses termos deixaram de ser os ideais para as colaborações online.
Por isso foram criados os termos Copyleft (1988), fazendo um contra ponto ao Copyright. O Copyleft permite que a legislação de proteção dos direitos autorais seja usada com o objetivo de retirar barreiras quanto à utilização, difusão e modificação de uma propriedade intelectual.
Muitos projetos colaborativos estão sob os termos do Copyleft, pois seus autores ou criadores esperam que outros usuários se sintam livres para contribuir com alterações de forma a melhorar o projeto num processo continuado.
Em 2001, foi fundada a Creative Commons (Criativo Comum), uma organização sem fins lucrativos que oferece licenças para obras intelectuais que permitem a cópia e o compartilhamento das mesmas, com poucas restrições. A organização tem como objetivo tornar as obras intelectuais disponíveis para o público, fazendo com que os trabalhos desenvolvidos a partir das obras disponíveis, também estejam disponíveis da mesma forma através da licença Creative Commons.
Dessa maneira, todos podem se beneficiar com esses trabalhos, mas também acrescentar e contribuir para que todas as obras sejam difundidas através da rede sem deixar de dar os devidos créditos a seus desenvolvedores.
Tanto o Copyleft quanto o Creative Commons nada tem a ver com o Public Domain (Domínio Público), onde as obras estão sob livre uso comercial, pois não estão submetidas a qualquer direito autoral ou intelectual.
Enquanto o ciberespaço está repleto de novidades, colaboração e novos projetos desenvolvidos por jovens usuários, outra atividade acontece paralelamente, e que pode por em risco a Internet como a conhecemos. Muitas das informações e arquivos que são compartilhados através da web, não respeitam os direitos autorais sob os quais foram desenvolvidos e comercializados.
A Baía dos Piratas
editarAtualmente a maioria dos arquivos compartilhados ilegalmente é de música, filme e séries de televisão americanas. Com a evolução das mídias físicas, como CDs, DVDs, e até mesmo BluRays tornam-se obsoletos em apenas alguns anos.
As mídias e arquivos digitais podem ser compartilhados virtualmente, não há mais a necessidade de um aparato físico para transportá-los. Com isso a troca de qualquer tipo de arquivo tornou-se mais simples, mais rápida, mais barata, e até gratuita.
O alto custo, não de produção, mas de comercialização desses aparatos físicos, e a facilidade de acesso ao seu conteúdo, é o que alimenta o compartilhamento ilegal de arquivos, a pirataria virtual.
Enquanto a indústria de entretenimento cobra valores considerados altos por seus produtos, através da web, é possível adquiri-los sem custo algum. Para muitos jovens é tentador poder assistir, sem sair de casa, os últimos filmes lançados no cinema, e poder escutar músicas de vários artistas sem precisar comprar cada um de seus discos.
As grandes produtoras de filmes e as gravadoras ainda estão tentando encontrar uma forma de acabar com a pirataria, mas enquanto tentam culpar os próprios usuários da Internet de consumir produtos piratas, não transforma de forma satisfatória o mercado físico de produtos em um mercado virtual. O que parece ser muito simples de ser realizado, na verdade está envolvido em interesses políticos, que estão estritamente ligados aos mercados de consumo.
De um lado, a indústria de entretenimento tenta aprovar leis para criminalizar o compartilhamento ilegal de arquivos, por outro lado, os usuários continuam encontrando formas cada vez mais rápidas e seguras para trocar esses arquivos.
Em 2012, o fundador de um site que hospedava todo tipo de arquivo, que poderiam ser baixados sem custo por qualquer usuário, foi preso. O Megaupload, o site em questão, necessitava de um computador provedor, onde todos os arquivos cadastrados no site ficavam armazenados, o desligamento dessas máquinas, impossibilitava os usuários de adquirir tais arquivos.
O Megaupload foi fundado em 2005, primeiramente era um serviço pago onde os usuários poderiam fazer o upload e o download de diversos arquivos. A partir de 2009, o serviço mudou e passou a disponibilizar uma cota de downloads e uploads de forma gratuita. Especula-se que o site foi fechado, pois lançaria um novo modelo de serviços que poderia concorrer com as gravadoras, principalmente as americanas.
Diferente do Megaupload, o site The Pirate Bay, atuava desde 2004 até 2012, através de arquivos Torrent. O BitTorrent é um protocolo de rede que tem como objetivo permitir o compartilhamento e download de dados a partir de pedaços de arquivos, que podem ser reconstruídos para formar o arquivo final. Esse sistema de compartilhamento otimiza o desempenho das redes, pois não existe fila de espera e todos os usuários compartilham os pedaços de arquivo entre si, sem sobrecarregar o servidor central como ocorre no site Megaupload.
No sistema de BitTorrent, quanto mais usuários baixando um arquivo, mais rápida é sua conclusão. Atualmente muitos sites de Torrent estão migrando para arquivos Magnet-Link, que são parecidos com os de Torrent, mas impossibilitam suas fontes de serem rastreadas.
Desde sua difusão, o Torrent tem sido alvo de empresas que defendem a propriedade intelectual, essas empresas alegam violações de Copyright de muitos arquivos transmitidos pela rede.
Toda essa movimentação no ciberespaço começou com a tentativa do senado americano de aprovar algumas leis que combatiam a pirataria. Os usuários da web vêem essas leis como formas de conter o avanço da Internet. Não querem apenas combater a pirataria, mas também criar entraves para o desenvolvimento intelectual através da Internet. Muitos sites aderiram à causa contra a aprovação dessas leis e muitas petições foram assinadas.
Essas leis que visam combater a pirataria de propriedade intelectual são vistas pela comunidade virtual como uma forma de controlar a Internet, a maior rede de comunicação, compartilhamento e informação do mundo.
Quando o conhecimento dessas leis veio a público, muitos sites começaram a se posicionar contra elas, e muitas empresas e organizações também. Mas durante algum tempo, o temor de que fossem aprovadas foi grande entre os internautas.
Foi então que uma organização autodenominada Anonymous, tirou do ar alguns sites importantes, como o do FBI (Federal Bureau of Investigation), com medo de serem alvos de ataques virtuais, muitas empresas de entretenimento como a Nintendo, que eram a favor dos Atos, passaram a ser contra.
E assim essas leis começaram a ser arquivadas e abandonadas pelos governos, o que não afirma que a Indústria de Entretenimento vai permitir que suas obras protegidas por Copyright continuem a ser compartilhadas sem restrições através da Internet.
Por enquanto, a Internet ainda pode ser considerada uma “terra sem lei” no que tange pirataria e compartilhamento ilegal de arquivos. Em 2003, uma imagem ficou famosa em alguns fóruns de discussão, e acabou tornando-se um meme na internet. Essa imagem logo foi associada a um grupo de indivíduos anônimos que praticavam hacktivismo. O grupo realizava ataques a sites, os tirava do ar, e redirecionava seus links, entre outras coisas.
O grupo Anonymous representa o conceito de usuários sem identidade conhecida, que existem como um cérebro global digitalizado. Desde 2008, esse “grupo” vem ganhando crédito por várias ações realizadas através da Internet.
Para muitos dos usuários da web, o grupo Anonymous possui o status de heróis. Mas enquanto alguns poucos enfrentam os governos com ataques virtuais e vazamento de documentos governamentais sigilosos, como é o caso do Wikileaks, outros usuários procuram através da colaboração coletiva fazer a sua parte nas mudanças do século XXI.
Enquanto as grandes empresas controlam o mercado de forma vertical com a produção de mercadorias com valor de troca, estabelecendo a relação produtor – consumidor, ou provedor - cliente, na Internet uma relação horizontal começa a tomar uma parcela desse mercado com projetos coletivos que visam produzir valores de uso.
“Quanto mais gente tiver acesso à informação e à cultura, mais haverá democracia no mundo. A cópia pela cópia pode ser ruim para alguns, mas ela tem um valor político importante. É um jeito que as pessoas têm de compartilhar e de garantir mais contato com a informação.” (Marcus Boon, 2011)
Junto desses projetos coletivos inovadores, surge um novo tipo de usuário, que não é apenas consumidor, mas também produtor, o prosumer.