Análise complexa/Introdução

Os números complexos são uma extensão dos números reais, em outros termos, o plano complexo é uma extensão da reta real. Os números complexos têm importância fundamental ao descrever as leis do universo subatômico, incluindo a propagação da luz e a mecânica quântica. Eles também têm uso prático em muitos campos, como é o caso do processamento de sinais e da engenharia elétrica.

Devido ao enfoque adotado, texto é indicado para alunos de graduação. Se preferir uma abordagem mais elementar dos números complexos, pode consultar o livro Matemática elementar.

Um pouco de história

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Número complexo

Na época em que foram inventados, os números complexos receberam este nome por parecerem um tanto "misteriosos", e existirem apenas na imaginação de alguns pesquisadores. Tanto é assim, que o número complexo   é até hoje conhecido como "unidade imaginária". Se a escolha do nome para estes números fosse feita nos dias atuais, levando em consideração suas inúmeras aplicações práticas, possivelmente eles seriam chamados de "números planares" ou "números bidimensionais"[1], pois além de não haver qualquer "mistério" sobre estes números, sua interpretação como pontos de um plano torna a sua compreensão extremamente simples.

Conhecendo os números reais e suas propriedades, é possível resolver diversas equações em uma variável  . Por exemplo, verifica-se facilmente que   tem -3 como solução, que 4/3 é o único número   tal que  , e que tanto -4 quanto 4 são raízes (soluções) de  .

Por outro lado, não existe um número real que satisfaça a equação  : podemos ver que esta equação é equivalente a  , que não possui solução real, uma vez que o quadrado de qualquer número real é não-negativo.

Por muito tempo este tipo de equação não foi problema: eram equações que não tinham solução. Foi um caso particular da equação do terceiro grau que criou a necessidade de usarem-se números complexos.

A equação do terceiro grau (ver equação cúbica, na Wikipédia) permaneceu vários séculos sem ser resolvida, até que, durante o Renascimento, matemáticos italianos atacam (com sucesso) esta equação.

Devemos observar que, naquela época, não havia notação simbólica, zero não era reconhecido como um número (zero era usado apenas no sistema de numeração) e números negativos eram vistos com extrema suspeita.

Então, o que hoje escrevemos como uma equação do terceiro grau  , para eles era uma dezena de casos particulares diferentes, como   ou  , etc.

Uma das primeiras equações foi possivelmente resolvida por Scipione del Ferro, com um raciocínio que, em linguagem moderna, é representado assim:

Seja a equação
 [2]
Então supomos que x seja a soma de duas raízes cúbicas
 
Substituindo e simplificando, obtemos
 .
Portanto, se for possível encontrar números u e v tais que   e  , então a equação cúbica tem uma solução real. Mas estes números existem, e são
  e  
(como pode ser facilmente verificado). Portanto, a solução desta equação cúbica é:
 

Através de simplificações algébricas (e empregando-se números negativos), todos os demais casos de equações cúbicas podem ser reduzidos a este tipo.

Então, como exemplo, vamos resolver:

 

que sabemos que tem a raiz x = 4.

Temos portanto, usando o método acima, que

 

Substituindo e simplificando, obtemos

 .

Agora, devemos encontrar números u e v tais que   e  , para que a equação cúbica tenha uma solução real. Mas estes números não existem, porque seriam:

  e  

O metamático italiano Rafael Bombelli introduziu os números complexos para resolver esta charada. Bombelli concluiu que   e  , portanto a expressão   fornece a solução x = 4.


Na verdade, o conjunto dos números reais pode ser "estendido" (ampliado) para o conjunto dos números complexos, que acomoda uma infinidade de números além dos números reais, incluindo os números imaginários.

Ao fazer essa extensão, poderia ser suposto que os números imaginários satisfazem as regras algébricas usuais (associatividade, comutatividade, etc), válidas para os números reais. Assim, ao admitir que um certo número imaginário  , satisfaz a equação  , seria razoável esperar que   também verifique esta equação, pois segundo as regras usuais valeria:

 

Algumas propriedades dos números reais, porém, devem sacrificadas: não é possível ordenar os números complexos. Ou melhor, não é possível definir sobre o conjunto dos números complexos qualquer relação de ordem que seja compatível com as operações de adição e multiplicação. Para ver isto, basta tentar descobrir se i > 0 ou i < 0. Se i > 0, então seu quadrado i2 > 0, o que é absurdo, pois i2 = -1. Por outro lado, se i < 0, então -i > 0, logo (-i)2 > 0. Mas (-i)2 = -1, outro absurdo.

Como será visto, neste novo conjunto numérico tratam-se igualmente   e   como s raízes quadradas de -1, e posteriormente, poderá ser garantido que todo "número" não-nulo tem exatamente duas raízes quadradas.

Uma forma bastante geral de estender os números reais usando a noção de número imaginário é considerar o conjunto de todas as "somas"  , onde   é uma das raízes de -1, enquanto   e   são números reais. O conjunto   será chamado de conjunto dos números complexos. Nesses termos,   poderá ser considerado como o subconjunto de   formado quando tomamos  . Os números complexos poderão ser somados e multiplicados seguindo regras análogas àquelas dos números reais. Estas regras serão tratadas mais adiante.

Para caracterizar rigorosamente o conjunto dos números complexos, será utilizada uma das seguintes definições:

Definição 1: Um número complexo é um ponto do plano

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Plano cartesiano

O conjunto dos números complexos é o conjunto [3]  .

onde está definida uma operação de adição:

 , para a qual

 


e uma operação de multiplicação:

 , tal que

 

É comum representar   simplesmente como  , para não "poluir" o texto com muita notação.

Definição 2: Um número complexo é uma matriz

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Matriz

Sendo   o espaço vetorial das matrizes  , com entradas reais, definimos o conjunto dos números complexos como o subespaço vetorial   formado pelas matrizes   que são da forma[4]:

 

Verifica-se facilmente (exercício 1) que este subespaço vetorial é também um corpo com as operações usuais de adição e multiplicação de matrizes.


Definição 3: Um número complexo é uma expressão da forma a + bi

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O conjunto dos números complexos é o conjunto   de todas as expressões da forma  [5], com   e   sendo números reais e   a unidade imaginária que satisfaz à relação  .

Observações

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Para formalizar um pouco mais esta definição, podemos simplesmente tratá-la como uma notação para as demais. Assim, usaremos   para denotar:

  • O ponto   (definição 1);
  • A matriz   (definição 2);

Outra razão para o uso da notação   segue das considerações a seguir. Primeiramente temos:

 

Sendo que   representa a matriz identidade de ordem 2.

Em segundo lugar, o conjunto das matrizes da forma   forma um corpo isomorfo a  . As propriedades que definem um "corpo" são apresentadas na próxima seção.

Uma vez estabelecido tal isomorfismo, podemos abusar no uso das notações e escrever apenas   em vez de   no cálculo acima, obtendo:

 

Agora, nada é mais natural do que chamar de   a matriz que multiplica  , ou seja, podemos convencionar que a unidade imaginária é a matriz:

 

Algumas consequências imediatas dessas convenções são:

  • O número   representa-se simplesmente por  
  • A unidade imaginária   é uma raiz quadrada de  , ou seja,  
  • Pode-se somar e multiplicar dois números complexos da forma   e   como se fossem binômios (a "variável" seria  ), e ao final troca-se cada ocorrência de   (se houver) pelo número  .

A primeira afirmação é obvia, as demais decorrem das propriedades das matrizes e de:

 

Veja o exercício 3.

Propriedades dos números complexos

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Corpo

As propriedades que mais ajudam a "desmistificar" o conjunto dos números complexos são aquelas parecidas com as propriedades dos números reais. No que diz respeito a adição e a multiplicação, o conjunto dos números reais possui todas as propriedades necessárias para ser considerado um corpo. É, então, desejável saber se os números complexos têm ou não as propriedades que definem um corpo.

Como o leitor pode verificar facilmente no exercício 1,   realmente é um corpo. Isso permite que os cálculos envolvendo apenas essas duas operações sejam feitos da mesma forma quando se utilizam números complexos em lugar de números reais.

Os próximos exemplos ajudam a ilustrar a validade dessas propriedades.

Parte real e parte imaginária

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Vimos que o números complexo   corresponde ao número real  , e que   é chamado de unidade imaginária.

Com base nessas observações, dado um número complexo  , dizemos que a parte real de   é o número real  , e que a parte imaginária de   é o número real  .

Conjugação complexa

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Conjugado

A conjugação complexa tem as seguintes propriedades:

  1.  
  2.  
  3.  
  4.  
  5.  
  6.  

Módulo de um número complexo

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Valor absoluto

O módulo ou valor absoluto de um número complexo satisfaz as seguintes propriedades:

  1.  
  2.  
  3.  
  4.  
  5.   (desigualdade triangular)
  1. Tal terminologia é sugerida por Alder (1997).
  2. Tartagilia's Description of His Solution - por este texto, a equação cuja solução foi descrita por Tartaglia era ligeiramente diferente, x3 + 3 x = 10; o método é semelhante, só que, em vez de uma soma, deve-se usar uma diferença entre raízes cúbicas
  3. Esta definição é adotada, por exemplo, em Conway (1978).
  4. Alder (1997) utiliza esta definição, comparando com as demais.
  5. No livro de Lins Neto (1996) utiliza-se esta definição.

Exercícios

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  1. Verifique que   é um corpo, usando cada uma das definições.
  2. Verifique que há um isomorfismo entre o corpo das matrizes  , com as operações de soma e produto usuais, e o plano cartesiano  , com as operações dadas na Definição 1.
  3. Determine:
    • A soma e o produto de   com  , tratando essas expressões como binômios na "variável"  , trocando cada ocorrência de   (se houver) pelo número  , e fazendo as eventuais simplificações.
    • Realize as mesmas operações pensando em   e   como matrizes (definição 2).
Observe que a matrizes obtidas no segundo item são representadas pelas expressões do primeiro item.