Análise real/Sequências

Definição editar

Uma sequência de números reais é uma função   que associa cada número natural a um número real. A notação usual para representar uma sequência é   quando não houver ambiguidade também pode-se escrever apenas   Para se referir a um termo específico da sequência, a notação é   ao invés de s(n). Uma outra forma muito comum de dar exemplos de sequências é listando os primeiros elementos (como um conjunto), seguido de "...", de forma que a regra de formação seja óbvia. Vamos observar que em todo livro estaremos considerando que o conjunto dos naturais  .

Exemplos:

  • A sequência dos números naturais   dada por   ou mais simplesmente  
  • A sequência de fibonacci   com  
  •   com   ou mais simplesmente  
  • A sequência   é uma forma de representar   ou seja,  

Faremos o uso da equivalência de ponto em um intervalo.

Classificação das sequências editar

Algumas propriedades das sequências são tão importantes que elas recebem nomes especiais. Uma sequência   é dita:

  1. estritamente crescente se  
  2. não-decrescente se  
  3. estritamente decrescente se  
  4. não-crescente se  
  5. monótona se a sequência satisfaz alguma das propriedades acima (i.é. se ela é não-decrescente ou não-crescente);
  6. estritamente monótona se ela é ou estritamente crescente ou estritamente decrescente;
  7. limitada superiormente se existe   tal que  
  8. limitada inferiormente se existe   tal que  
  9. limitada se ela é limitada superior e inferiormente, ou seja, se   tal que  
  10. ilimitada quando ela não é limitada nem superior e nem inferiormente;
  11. Cauchy se  

Propriedades de uma sequência editar

Convergência de uma sequência editar

Dizemos que uma sequência   converge para o número real   quando, qualquer que seja   dado,   tal que, se   então   Para dizer que   converge para   normalmente escrevemos   ou   ou apenas   quando não houver dúvida que o limite trata de   tendendo ao infinito. Em outras palavras, a sequência   fica arbitrariamente próxima de   desde que se tome um   suficientemente grande.

Exemplos

  • A sequência   converge para   De fato, dado   pela propriedade arquimediana da reta real, existe   tal que   portanto   Logo   e concluimos que  

Divergência de uma sequência editar

Uma sequência que não é convergente é dita divergente. A divergência geralmente ocorre por dois motivos: A sequência não é limitada ou possui duas subsequências convergindo para valores diferentes.

Proposição (unicidade do limite) editar

Uma pergunta muito natural de se fazer: a definição de convergência é precisa? Intuitivamente sabemos o que significa uma sequência convergir para um número, mas agora precisamos saber se a definição formal não permite que exista mais de um limite. Ou seja, queremos provar que, se uma sequência converge, então o limite é único.

Demonstração editar

  • Seja   uma sequência de números reais convergente com   Suponha que   seja tal que   queremos mostrar que  .
  • Suponha, por absurdo, que   então  . Tomemos então  .(3)
  • Por um lado,   assim   tal que  .(4)
  • Por outro lado   logo   tal que  .(5)
  • Tome   para garantir que os termos da sequência satisfaçam a convergência tanto para x, como para y. Assim   (2)
  • Contudo  .
    • (1) pela desigualdade triangular
  • Mas é um absurdo concluir que  . Portanto foi um absurdo ter suposto que  . Então podemos concluir que x=y.

Proposição editar

Essa proposição nos diz que se uma sequência converge para um limite a, então dados b e c reais, tais que b<a<c então a partir de um certo termo da sequência   todos os termos estarão no intervalo (b,c).

Seja  , logo:

  • Se   ( resp.   ), então existe   tal que  .
  • Se  , então  .

Demonstração editar

  • Tome  (1), logo   tal que  .
  • O segundo resultado resulta da contraposição do primeiro.

Proposição editar

Toda sequência convergente é limitada.

Demonstração editar

Seja  , assim para   tal que   Além disso, o conjunto   é finito, não-vazio e limitado, então existe   e  . Tome  . Como temos que   para todo  

Proposição (operações com sequências) editar

Dadas duas sequências   e   convergentes, com   e   e um número real   então valem as seguintes propriedades:

  •  
  •  
  •  

Se   e   então:

  •  

Demonstração editar

Vamos demonstrar a primeira das propriedades. Dado   existem   naturais tais que, se   então   e  

Portanto, se   e   então   Logo  

As outras propriedades ficam de exercício para o leitor.

Proposição editar

Se   então  

Demonstração editar

Como bn é uma sequência limitada, temos que existe B > 0 tal que |bn| < B para todo n.

Então, dado ε > 0, temos que   Como an é uma sequência que converge para 0, existe n0 tal que, para todo n > n0, |an - 0| < ε / B.

Finalmente, fazendo as contas, temos que |an bn - 0| < |an| |bn| < (ε / B) . B = ε.

Ou seja, para todo ε > 0, encontramos n0 tal que para todo n > n0, |an bn - 0| < ε - precisamente a definição de limite.

Proposição (convergência de sequências monótonas limitadas) editar

Toda sequência de números reais monótona limitada converge.

Demonstração editar

Vamos demonstrar que toda sequência não-decrescente, limitada superiormente, é convergente. Fica como exercício para o leitor adaptar a demonstração para outros tipos de sequências monótonas.

Seja   uma sequência não-decrescente limitada superiormente. Isto é,   se   e existe   tal que   para todo   Desta forma, o conjunto   é um conjunto de número reais, não vazio e limitado superiormente, então   tem supremo. Seja   vou mostrar que   Como   qualquer que seja   não é o supremo de   então existe   com   Como a sequência   é não-decrescente, se   temos   sendo a o supremo de   podemos ainda acrescentar uma relação à desigualdade, temos então   que significa que, se   então   Que é exatamente a definição de convergência de sequências, então  

Proposição editar

Toda sequência monótona converge se possui uma subsequência convergente

Demonstração editar


Lema editar

Sejam   uma sequência em   convergente para  

  1. Se   então  
  2. Se   então  

Demonstração editar

  • (1)Seja  , então existe   tal que  . Somando   a todos os lados da desigualdade temos que  
  • (2)Dado   tal que   Como   temos   e portanto   e consequentemente  

Proposição editar

Sejam   e   duas sequências em   convergentes, com   e  

  1. Se   para todo   natural, então  
  2. Se   então  

Demonstração editar

  • (1)Se   para todo   natural, então   para todo   e, pelo lema anterior,   e portanto  
  •   Seja  

Teorema (do confronto) editar

Sejam   sequências em   Se   e   para todo   então   e  

Demonstração editar

Seja   e   dado.

Por um lado, como   existe   tal que, se   então  

Por outro lado, como também temos que, como   existe   tal que, se   então  

Pela desigualdade   se   então  

Logo  

Subsequências editar

Uma subsequência de uma sequência   é uma função   onde   e   é infinito. A notação usual para representar uma subsequência é  

Como   é enumerável, seus elementos podem ser escritos como   e ainda podemos escolher a enumeração de forma com que   se   Então podemos identificar uma subsequência com uma sequência escrevendo   Portanto, todos os teoremas que valem para sequências valem para subsequências.

Proposição (convergência de subsequências) editar

Toda subsequência de uma sequência convergente é convergente.

Demonstração editar

Seja   uma sequência convergente para   e   uma subsequência de   Como   dado   existe   tal que, se   então   Em especial, se   temos   Logo  

Proposição (divergência de subsequências) editar

Se uma sequência possui duas subsequências convergindo para valores distintos então a sequência é divergente.

Proposição editar

Toda sequência limitada, possui uma subsequência convergente  

Valor de aderência editar

Definição(Valor de aderência):   é "valor de aderência" de uma sequência   se, e somente se,   é limite de alguma das subsequências de   se, e somente se,  

Fatos(Menor e Maior(Valor de aderência)) editar

Seja   uma sequência limitada.

  1. Se a sequência   é convergente, então o valor de aderência é único
  2. Se a sequência   possui duas subsequências convergente, convergindo para a e b, com a<b então para índices suficientemente grandes  
  3. Se a sequência   possui n+2 subsequências convergindo para   Então a e b são o menor e maior valor de aderência e  
  4. Se   subsequências de   que possuem menor e o maior valor de aderência respectivamente, então   são monótonas e   é crescente ou não-decrescente e   é decrescente ou não-crescente

Demonstração (VERIFICAR SE ESTÁ CORRETO) editar

  • (1)   possui uma subsequência convergindo para a. Por definição a é valor de aderência. Como   é convergente, não existe outra subsequência convergindo para outro valor diferente de a. Logo a é o único valor de aderência.
  • (2) Temos  
    • Também  
  • (3)Seja   Temos  . Tome  
    •  
    •   e  
  • (4) por (2) é verdade que   Mas não pode existir  
    •  
    • Se   fosse decrescente ou não-crescente, teríamos   Como   para algum   (contradição). Da mesma forma fazemos com  

sequências de Cauchy editar

Uma classe muito importante de sequências são as sequências de Cauchy, que são muito importantes não só para a Análise Real, mas também para a Análise Matemática e Topologia.

Proposição: toda sequência convergente é de Cauchy editar

Demonstração editar

Seja   uma sequência convergente para um ponto   Como   converge para   qualquer que seja   existe   tal que, se   então   Portanto, se   então   Portanto   é de Cauchy.

Proposição: toda sequência de Cauchy é limitada editar

Se   é uma sequência de números reais de Cauchy, então existem   reais tais que   para todo n natural.

Demonstração editar

Como   é uma sequência de Cauchy, dado   existe   natural tal que, se   então   portanto   de onde concluimos que  

Como   é um conjunto finito, sabemos que ele tem maior e menor elemento, então podemos definir   Desta forma definindo   e   temos que   para todo   natural. Como queríamos.

Proposição: se uma sequência de Cauchy tem subsequência convergente, então converge editar

Se   em   é uma sequência de Cauchy com subsequência   convergente para   então   converge para  

Demonstração editar

Dado   como   converge para   existe   tal que se   então   Como  é Cauchy, existe   então  Tome agora  . Assim, pela desigualdade triangular, se   então  

Lema: toda sequência tem subsequência monótona editar

Demonstração editar

Seja   uma sequência qualquer e considere o conjunto   Se   for infinito, então   tem subsequência não decrescente, caso contrário   tem subsequência decrescente.

Teorema: toda sequência real de Cauchy converge editar

Demonstração: editar

Se   é uma sequência de Cauchy, pelo lema anterior, existe uma subsequência   monótona. Como   é Cauchy,   é limitada e portanto a subsequência   também é limitada. Como toda sequência real monótona limitada converge, temos que   converge, logo   converge também, pois tem subsequência convergente. Concluímos que toda sequência real de Cauchy converge.

Os números reais não são enumeráveis editar

Vimos, em um capítulo anterior (Enumerabilidade) que existem conjuntos enumeráveis e conjuntos que não são enumeráveis. A prova será feita agora; mais especificamente, mostraremos que o intervalo fechado [0, 1] não é enumerável (o resultado para   é imediato, pois  ).

Seja portanto   uma sequência qualquer de números reais entre zero e um.

Vamos construir uma sequência de intervalos, por indução finita, definindo:

  •  
  • Seja   e sejam  ,   e  . Então definimos   se  , e   caso contrário.

Por construção, é fácil ver que  . Além disso, temos que  .

Consideremos, então, a interseção de todos os intervalos  . Pela propriedade dos intervalos encaixados, este conjunto não é vazio (este conjunto é unitário, mas este detalhe não é importante neste prova).

Assim, temos que existe a,  . Mas, pela propriedade de que  , temos que  , ou seja, a é diferente de cada um dos xn.

Em outras palavras, dada uma sequência de números entre 0 e 1, é possível construir um número real que não está nesta sequência.

Ou seja, o intervalo [0, 1] (portanto, os números reais) não é um conjunto enumerável.